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A paulistana Maria Clara Campos, de 49 anos, desdobra-se entre a vida profissional como professora universitária e os cuida[1]dos com a saúde mental. Desde 2022, ela desembolsa R$ 2.800 por mês com consultas psiquiátricas, sessões de terapia e medicamentos antidepressivos. “Sei que é um custo alto, mas não dá para ignorar o que está acontecendo comigo”, diz.
Como a professora, quase metade das famílias da região Sudeste do Brasil tem no orçamento despesas relacionadas à saúde mental, de acordo com uma pesquisa da Serasa. A conexão entre finanças e saúde mental parece inegável.
No Sudeste, 67% dos entrevistados admitiram já ter enfrentado problemas de saúde mental, enquanto 81% relataram alguma dificuldade financeira.
Muitas vezes, as contas não pagas se transformam em noites sem sono e crises de ansiedade. Essa combinação levou Maria Clara aos vícios em álcool e cigarro. “Eu costumava acordar às três da manhã pensando no que estava devendo e não conseguia mais dormir. Só melhorou quando comecei a fazer terapia”, conta ela.
O estudo, que faz parte da 10ª edição do Serasa Comportamento, ouviu consumidores de todas as regiões do País, de 18 até 60 anos ou mais. E revela que 55% das pessoas acreditam que um cotidiano menos estressante leva a decisões financeiras mais acertadas. A questão, porém, envolve escolhas difíceis: cortar um gasto essencial ou investir em saúde mental? Os gastos com saúde mental já ocupam o sexto lugar entre as prioridades das famílias, à frente de despesas com carros e serviços de assinatura, como os streamings Netflix e Disney+.
Para a psicóloga Valéria Meirelles, especialista em finanças comportamentais, o problema não está apenas no dinheiro, mas na forma como ele molda relações e sentimentos. Segundo ela, muitas vezes, quem passa por dificuldade sente vergonha de pedir ajuda ou de admitir o problema financeiro, o que só agrava o impacto emocional. E no trabalho, conforme a pesquisa, o efeito não é menor: 78% dos entrevistados disseram que as dívidas afetam a produtividade e o foco profissional.
‘DESGASTE EMOCIONAL’
“Não se trata de incompetência, mas de um desgaste emocional que poderia ser evitado com suporte psicológico e financeiro”, diz a psicóloga.
Iniciativas das empresas para apoiar a saúde mental das equipes ainda são raras, mas podem ser decisivas. Para Valéria, as companhias deveriam proporcionar acesso a orientações sobre dinheiro e a programas de bem-estar financeiro e emocional, pois ambos melhoram o ambiente de trabalho e aumentam a produtividade.
Embora a pesquisa da Serasa não aborde diretamente os gatilhos financeiros para problemas de saúde mental, Laís Gabriel, especialista em educação financeira da Serasa, diz que os dados apontam que muitas dificuldades estão relacionadas à desorganização com o dinheiro e ao acúmulo de dívidas. Segundo o levantamento, 55,9% dos entrevistados apontam o acúmulo de dívidas como consequência dos problemas emocionais, seguido por desorganização financeira (52,6%) e gastos impulsivos (28,3%).
A especialista ainda destaca que a ansiedade, principal problema mental identificado nas entrevistas, afeta especialmente mulheres, jovens e cidadãos de renda baixa, com prevalência maior entre os que enfrentam dificuldades financeiras.
PLANEJAMENTO
Raony Rossetti, CEO da plataforma Melver de formação em educação financeira, diz que o equilíbrio financeiro e emocional começa com um diagnóstico claro sobre o orçamento. Ele recomenda listar todas as dívidas e organizá-las por taxas de juros mais altas e mapear receitas e despesas mensais. Essa arrumação inicial permite estabelecer metas, como determinar um valor fixo para amortização de compromissos e eliminar os mais caros primeiro. Além disso, Rossetti sugere cortar gastos supérfluos, renegociar condições com credores e buscar alternativas de renda, como trabalhos freelancers e venda de itens usados.
Para prevenir o endividamento e os problemas psicológicos que dele decorrem, Rossetti enfatiza a importância da educação financeira. Em um País onde muitos brasileiros gastam mais em apostas do que investem, diz ele, a falta de conhecimento agrava o superendividamento e o impacto emocional das dívidas. A chave, segundo ele, está em combinar planejamento financeiro com ações práticas, como acesso a recursos gratuitos de saúde mental e metas alcançáveis.
Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research, diz que poupar ao menos 10% da renda mensal e investir de forma alinhada aos objetivos pessoais pode transformar a vida financeira ao longo do tempo. “A disciplina com o orçamento pessoal evita o endividamento caro ou excessivo, e permite a manutenção do poder de compra, algo essencial para realizar sonhos”, diz, advertindo que nenhum plano financeiro é viável sem saúde mental: é preciso buscar um estado de calma e serenidade antes de enfrentar problemas com o dinheiro.
*Fonte: O Estado de SP





