Amnésia digital: descubra como a tecnologia pode estar prejudicando sua memória
A dificuldade em lembrar datas de aniversário, números de telefone, endereços e até nomes de filmes tem se tornado cada vez mais comum. A principal causa desse esquecimento está na prática rotineira de recorrer ao celular sempre que surge uma dúvida.
Esse hábito tem sido identificado por especialistas como um fator determinante para o fenômeno da amnésia digital ou demência digital, que ocorre quando as pessoas delegam sua memória a dispositivos tecnológicos, reduzindo a capacidade de retenção de informações.
Impacto do tempo de tela na cognição
Diversos estudos realizados ao longo das últimas décadas demonstram uma correlação entre o uso excessivo de telas e o declínio das funções cognitivas, especialmente nas novas gerações.
A exposição prolongada a dispositivos eletrônicos desde a infância tem sido apontada como um dos principais responsáveis pela redução da neuroplasticidade, prejudicando a saúde mental e o desempenho cognitivo tanto em crianças quanto em adultos.
O excesso de telas e os riscos à memória
Uma pesquisa publicada em 2022 no Journal of Integrative Neuroscience indicou que a incidência de Alzheimer e outras formas de demência pode aumentar de duas a quatro vezes até 2060 e de quatro a seis vezes até 2100. Os pesquisadores relacionam esse crescimento diretamente ao uso prolongado de telas.
Além disso, um artigo de 2018 do Journal of Experimental Social Psychology apontou que o uso constante de redes sociais pode comprometer a memorização de experiências. O estudo revelou que, ao tentar registrar um momento por meio de fotos e vídeos, a pessoa pode acabar limitando sua capacidade de vivenciar plenamente a situação, o que reduz sua retenção na memória.
Estudos sobre a amnésia digital
A empresa de segurança digital Kaspersky Lab conduziu um estudo em 2015 com 6 mil consumidores com 16 anos ou mais em seis países da Europa. Os resultados demonstraram que a amnésia digital está presente em todas as faixas etárias e gêneros.
No Reino Unido, por exemplo, os números são alarmantes:
71% dos entrevistados não se lembravam do telefone dos filhos;
87% não sabiam de cor o contato da escola dos filhos;
57% não memorizavam o telefone do próprio escritório;
49% não se recordavam do número do parceiro ou parceira;
47% ainda lembravam do telefone da casa da infância.
Esses dados demonstram como a dependência tecnológica tem levado as pessoas a confiar excessivamente em dispositivos eletrônicos, resultando em uma perda progressiva da memória para informações cotidianas.
O futuro da memória na era digital
O avanço tecnológico trouxe inúmeras facilidades, mas também desafios para a cognição humana. A tendência de terceirizar a memória para os dispositivos eletrônicos pode impactar significativamente a capacidade de reter e processar informações no longo prazo.
Para minimizar esses efeitos, especialistas recomendam estratégias como reduzir o tempo de tela, estimular a memorização ativa e praticar atividades que promovam a saúde cerebral, como a leitura e a resolução de problemas complexos.
A questão que se coloca é: até que ponto a tecnologia nos ajuda e onde começa a prejudicar nossas funções cognitivas? O desafio das próximas gerações será encontrar um equilíbrio entre o uso dos dispositivos e a preservação da memória e do desenvolvimento cognitivo.
O impacto emocional do uso excessivo da tecnologia
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Aline Restano, psicóloga e coautora do livro Crianças Bem Conectadas (Maquinaria Editorial), explica que diversos estudos apontam para uma redução da capacidade de armazenamento de memórias. Esse fenômeno está diretamente relacionado ao uso excessivo da tecnologia, mas também é influenciado por fatores como estresse, fadiga e a qualidade do sono.
A tendência de recorrer imediatamente ao celular diante de qualquer esquecimento pode transmitir a impressão de que as pessoas estão se tornando mais “preguiçosas” para pensar. No entanto, a especialista esclarece que essa percepção não é totalmente precisa.
Não acho que dê para chamar de preguiça, exatamente. Temos um cérebro muito adaptado e inteligente, e é um funcionamento humano natural que tentemos economizar energia. Sabemos que não precisamos lembrar números de telefone, trajetos, entre outros elementos de que precisávamos na infância. Estimulávamos mais áreas do cérebro ao memorizar tudo isso resume Aline
Além da memória, o uso de dispositivos para lembrar informações também pode impactar o lado emocional. A dificuldade em recordar, por exemplo, a data de aniversário de um amigo, pode alterar a forma como nos relacionamos com as pessoas.
“Tem uma carga afetiva diferente quando uma memória vem de dentro de nós e quando vem de fora, de um dispositivo. E isso muda as relações”, observa a psicóloga.
A importância da autocrítica no uso da tecnologia
Aline ressalta que, apesar de a terceirização da memória para a tecnologia ser um fator importante na mudança da forma como interagimos, essa transformação é multifatorial. A vida moderna impõe um ritmo acelerado e uma carga significativa de estresse e responsabilidades, o que também influencia essa nova dinâmica cognitiva.
Entretanto, a psicóloga aponta um reflexo claro desse fenômeno: ao receber um lembrete automático de aniversário, a mensagem de parabéns tende a ser mais mecânica, com menor envolvimento emocional.
Por esse motivo, ela sugere que pais e professores incentivem as crianças a memorizar datas importantes, como aniversários de familiares e contatos de emergência. Essa prática não apenas estimula o cérebro, mas também fortalece os laços afetivos e a identidade dos pequenos. Para os adultos, a conscientização sobre a influência da tecnologia no cotidiano também é essencial.
“É importante que a própria pessoa perceba como esses dispositivos estão a deixando, porque daqui a pouco uma pessoa que era boa em localização espacial, por exemplo, de tanto usar Waze, percebe que trajetos que ela sabia fazer já não sabe mais. Outra começa a perceber que, se não estiver com a sua agenda de trabalho, vai esquecer quando é um compromisso”, exemplifica Aline.
A especialista reforça que a questão não é rejeitar a tecnologia ou idealizar o passado, mas sim encontrar um equilíbrio. As inovações surgiram para facilitar a vida, mas a dependência extrema delas pode comprometer habilidades importantes.
O desafio está em avaliar quais capacidades pessoais estão sendo impactadas e buscar maneiras de reativá-las, garantindo um uso mais consciente dos recursos digitais.
O efeito Google e a terceirização da memória
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De acordo com o psiquiatra Thiago Pianca, especialista em psiquiatria da infância e adolescência no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, existe uma tendência crescente de terceirizar a memória.
Em outras palavras, em vez de armazenarmos as informações em nosso próprio cérebro, passamos a lembrar apenas do caminho para acessá-las. Esse fenômeno já foi chamado de “efeito Google”, mas não se restringe ao universo digital.
Guardar informações em anotações ou mesmo através de outras pessoas é um recurso que sempre existiu. Porém, atualmente, com o que é digital, o esforço para guardar as informações é quase zero: basta saber que a informação está lá, então, na prática, nem se presta muita atenção. Compare isso com o trabalho de anotar uma informação em um caderno e perceberá claramente a diferença em termos de memorização analisa Pianca
O especialista alerta que essa mudança afeta diretamente a memória, tornando-a menos eficiente. Além disso, o uso excessivo de telas impacta negativamente o tempo de sono, prejudicando não só a retenção de informações adquiridas ao longo do dia, mas também a capacidade de atenção no dia seguinte.
Apesar das preocupações, Pianca reconhece que a tecnologia também tem seu lado positivo. Aplicativos e jogos de estimulação cognitiva podem contribuir para o aprendizado e para o fortalecimento da memória, oferecendo um “segundo cérebro” de forma rápida e acessível para anotações importantes.
A importância da higiene do sono e da atividade física
Para garantir um bom desempenho da memória, Pianca destaca dois fatores fundamentais: um sono de qualidade e a prática de atividades físicas.
“Pode parecer um assunto batido, mas sono em quantidade ou qualidade ruim realmente prejudica demais o aprendizado. Isso inclui também pessoas que roncam, que têm insônia, que trabalham em turnos. É fundamental cuidar disso. E a atividade física é um dos melhores estímulos não só para o corpo, mas também para o cérebro”, recomenda o psiquiatra.
Além disso, o especialista sugere evitar recorrer ao Google para cada dúvida que surge. Estimular o cérebro a buscar respostas sem o auxílio imediato de dispositivos pode fortalecer a memória e a capacidade de aprendizado.
Exercícios para estimular o cérebro
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A tecnologia pode ser benéfica quando usada de forma equilibrada, mas a dependência excessiva pode comprometer a capacidade de memorização. Para evitar esses impactos, Josi Marcolin, especialista em ginástica cerebral e diretora da unidade de Caxias do Sul do Método Supera, sugere a prática de exercícios cognitivos.
“Somos bons naquilo que treinamos. Estamos deixando de buscar as informações que estão no nosso cérebro por causa de uma facilidade que a internet nos traz. Então, precisamos dedicar um tempo para exercitar o cérebro de outras formas, porque, senão, a conta chega”, alerta Josi.
Segundo a especialista, um dos maiores desafios da era digital é a dificuldade de manter o foco. A atenção é um recurso limitado e, ao realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo, o cérebro alterna constantemente entre os estímulos, dificultando a concentração e a memorização.
“É como se passássemos o dia treinando a desconcentração, porque a concentração é o contrário disso: é quando conseguimos manter a atenção em um único estímulo. E aí vem a questão da memória. Não conseguimos memorizar algo se não prestamos atenção”, explica Josi.
Para fortalecer a memória, além da leitura, atividades como palavras cruzadas, quebra-cabeças e aplicativos específicos de ginástica cerebral podem ser aliados importantes. O equilíbrio entre tecnologia e estímulos naturais para o cérebro é a chave para manter a cognição ativa e saudável.
O impacto do sedentarismo mental
O declínio cognitivo é um processo natural do envelhecimento que começa a se manifestar, em média, entre os 25 e 30 anos. Embora essa mudança passe despercebida na juventude, a partir dos 50 anos, é comum que as pessoas percebam dificuldades na memória.
No entanto, relatos sobre lapsos cognitivos têm surgido cada vez mais cedo, conforme aponta Josi Marcolin, especialista em ginástica cerebral e diretora da unidade de Caxias do Sul do Método Supera.
“Ouço muitos relatos aqui de pessoas que dizem que sempre gostaram muito de ler, mas que, ultimamente, quando estão no segundo parágrafo, já não sabem mais o que leram no primeiro, porque a cabeça leu pensando em um monte de coisa”, exemplifica Josi.
Se no passado o avanço da tecnologia contribuiu para o aumento do sedentarismo físico, levando à necessidade de buscar atividades para manter o corpo ativo, hoje ocorre um fenômeno semelhante com a mente.
Esse cenário tem sido chamado de “sedentarismo mental”, que demanda estímulos específicos para evitar a deterioração cognitiva.
A importância da variedade e do desafio cognitivo
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Assim como o corpo precisa de exercícios diversificados para manter a saúde, o cérebro também necessita de estímulos variados para evitar a perda de capacidades cognitivas.
Precisamos dedicar um tempo para exercitar o cérebro de outras formas, porque, senão, a conta chega alerta Josi
A especialista explica que, para realmente fortalecer o cérebro, não basta repetir a mesma atividade intelectual todos os dias, como fazer palavras cruzadas.
A chave do exercício mental eficaz está na combinação de três elementos essenciais:
Novidade: aprender algo novo desafia o cérebro e o estimula a criar novas conexões neurais.
Variedade: alternar entre diferentes tipos de desafios impede que o cérebro se acomode e perca plasticidade.
Grau de dificuldade crescente: aumentar gradualmente o nível de complexidade dos desafios promove um maior desenvolvimento cognitivo.
“Quando oferecemos essas três variáveis para o nosso cérebro, a todo novo aprendizado, os neurônios formam novas conexões entre eles, que são as sinapses. Se não usamos a memória como antes, as sinapses responsáveis pela memória vão se desligando. Quanto maior a quantidade e a qualidade dessas sinapses, maior a capacidade de processamento do cérebro”, resume Josi.
Estratégias para fortalecer a memória
Uma das ferramentas frequentemente utilizadas em aulas de ginástica cerebral é o ábaco. Esse antigo instrumento de cálculo, tradicionalmente utilizado para ensinar matemática às crianças, pode ser adaptado para desafiar o raciocínio lógico dos adultos, estimulando diferentes áreas do cérebro.
Outra técnica eficiente para consolidar o aprendizado é realizar resumos manuscritos após uma leitura. Anotar informações à mão, em vez de digitá-las, contribui para uma memorização mais eficiente, pois ativa regiões do cérebro responsáveis pela retenção de conhecimento.
Adotar essas práticas no dia a dia, aliadas a uma postura ativa na busca por novos aprendizados, pode fazer a diferença para manter a mente afiada e preservar a memória ao longo dos anos.
Desafios da memória após a aposentadoria
Após lecionar disciplinas como matemática e ciências por mais de três décadas, Salete Bernardi Silveira, de 63 anos, percebeu mudanças em sua memória depois de se aposentar. A redução da rotina ativa e das interações sociais fez com que começasse a esquecer algumas informações, o que despertou preocupações, especialmente devido ao histórico de Alzheimer em sua família.
“A gente acaba se acomodando, né? Por um período, qualquer informação eu tinha anotada no celular. Quando perdi o celular, me desesperei: lá tinha dados de banco, de casa, de tudo. Vivemos um período de paranoia até achar tudo certinho, e eu comecei a memorizar esses números. Hoje, se me perguntarem o CPF de um ou de outro, de senhas, datas de aniversário, está tudo na minha cabeça”, conta a moradora de Caxias do Sul, orgulhosa do progresso que fez em recuperar sua memória.
Os desafios do aprendizado contínuo
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Entre as atividades que Salete incorporou para exercitar a mente, o ábaco se destacou como um grande desafio. Apesar de ter trabalhado com esse instrumento básico na escola, percebeu que sua complexidade ia muito além do que imaginava.
“Quando eu estava na escola, trabalhávamos o ábaco no básico do básico, de um a 10, até a centena, no máximo. Agora, ali, me vi ignorante no ábaco. Não sabia nem o que era trabalhar na casa dos milhares, na divisão de três, quatro algarismos no ábaco. Tem até raiz quadrada. São coisas que eu nunca fiz na vida, então, é um desafio novo”, comenta Salete.
Além do ábaco, ela passou a realizar jogos de memória com tempo cronometrado para estimular a atenção. Essa prática não ficou restrita às aulas: a aposentada levou os desafios para reuniões com amigos e familiares.
Redução do uso de tecnologia e estímulos sociais
Ao perceber que seus sobrinhos passavam muito tempo nos jogos de celular, Salete decidiu introduzir jogos analógicos para estimular o raciocínio de forma mais interativa.
“Percebi que os meus sobrinhos, que têm 18, 20 anos para cima, estavam sempre nos joguinhos de celular. Comprei jogos do Supera e trouxe para casa. No meu aniversário, tinha 15 pessoas ao redor da mesa jogando. Adoraram: tem uns até querendo comprar. E saíram do celular para prestar atenção nas pessoas”, relata.
No dia a dia, Salete também evita o uso do GPS. Antes de viajar, estuda os mapas e memoriza pontos de referência para testar sua orientação espacial.
Além disso, incorporou um bloquinho de anotações à rotina e estabeleceu horários específicos para usar o celular. Embora ainda utilize a tecnologia, perdeu a dependência total do aparelho, garantindo que suas informações mais importantes estejam armazenadas em sua própria mente.
Dicas para fortalecer a memória e a saúde cerebral
Para quem deseja melhorar a memória e manter a cognição ativa, algumas práticas simples podem fazer a diferença:
Priorizar hábitos saudáveis: dormir bem, praticar atividades físicas e manter uma alimentação equilibrada são fundamentais para a saúde do cérebro.
Memorizar antes de consultar: escrever a lista de compras à mão, mas tentar lembrar dos itens sem consultá-la.
Exercitar a orientação espacial: ir a um endereço sem depender do GPS, memorizando rotas e pontos de referência.
Reduzir distrações digitais: desativar notificações e definir horários específicos para checar aplicativos e redes sociais.
Estimular o cérebro no dia a dia: tentar lembrar de informações antes de recorrer ao Google ou a dispositivos eletrônicos.
Praticar exercícios cognitivos: digitar manualmente o número de telefone de um contato antes de buscá-lo na agenda.
Criar momentos sem tecnologia: estabelecer períodos do dia sem o uso de dispositivos, como durante o jantar ou em caminhadas.
Investir em jogos de raciocínio: palavras cruzadas, sudoku e desafios mentais são ótimas formas de manter a memória ativa, desde que o nível de dificuldade seja progressivo.
Essas estratégias podem ajudar a manter o cérebro saudável e ativo, promovendo uma vida mais equilibrada e menos dependente da tecnologia.