Chega o mês de março e se escuta nos quatro cantos – “para quê dia da mulher? – dia da mulher é todo dia“– e outras frases com essa mesma conotação, mas que são sempre lançadas por quem quer diminuir a importância da data e aqueles(as) que disseminam a discriminação e a misoginia.
Vale lembrar que desde a Idade Média, com a caça às bruxas, e até antes desse marco, as mulheres lutam para terem seus direitos assegurados e reconhecidos.
A luta pela justiça para o gênero feminino, apesar de ser oficializada no calendário mundial há menos de 50 anos, já existe há milhares de anos.
Ao longo dos séculos, alguns deles foram incluídos na sociedade, se tornaram leis e até configuraram na nossa Constituição.
O problema é que essas conquistas são, diante de anos de luta, relativamente novas e acanhadas.
A ideia de encontrar uma data para celebrar a luta feminista tem várias origens. Alguns pesquisadores defendem que a sugestão, no século 19, nas primeiras etapas da Revolução Industrial. Outros defendem que a data nasceu no estopim da Revolução Russa, em 1917, motivada pela luta das mulheres russas por melhores condições de vida, trabalho e o fim da Primeira Guerra Mundial.
De todas as teorias, a mais aceita é que a data nasceu após uma conferência na Dinamarca em busca de direitos igualitários, em 1910, e foi consolidada por um histórico incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist Company, em Nova York, no ano de 1911. Em 1909, dois anos antes do incêndio, as mulheres nova-iorquinas que trabalhavam na fábrica têxtil haviam feito uma greve, reivindicando melhores condições de trabalho e o voto feminino. Em conjunto com os nascentes sindicatos e com o Partido Socialista da América, elas se reuniram em uma passeata que reuniu cerca de 15 mil mulheres. A fábrica, na época, recusou as reivindicações.
Um ano mais tarde, em 1910, esse movimento inspirou Clara Zetkin, famosa ativista alemã, a criar uma data anual para comemoração da luta das mulheres nas conferências de mulheres da Internacional Socialista, em Copenhague. O dia, no entanto, acabou não sendo definido.
Em 1911, mesmo diante de greves e manifestações, a Triangle Shirtwaist Company ainda mantinha suas funcionárias — maior parte de sua força de trabalho —, em uma jornada de trabalho de cerca de 14 horas ao dia, em semanas que ultrapassavam as 60 horas — e eram remuneradas com 6 a 10 dólares. Além da redução dessa jornada, as trabalhadoras também buscavam mais segurança no ambiente de trabalho, que tinha risco de incêndio por tecidos inflamáveis.
Em 25 de março daquele ano, a reivindicação das mulheres se tornou inegável e justificada: A fábrica pegou fogo naquele dia e, dos 600 funcionários, 146 pessoas morreram, sendo 23 homens e 129 mulheres. Diante da fatalidade das trabalhadoras, o mês de março ficou marcado na história como uma conscientização do desastre.
Alguns anos mais tarde, quando o mundo voltou os olhos para a Europa na Primeira Guerra Mundial, as mulheres aprofundaram a luta por direitos igualitários. Exaustas pela rotina dentro de casa e no trabalho, em uma qualidade de vida subjugada pelo gênero e assolada pelos anos da guerra, um grupo de mulheres russas passou a questionar sua função na nova sociedade que nascia em 1917, no estopim da Revolução Russa. E elas colocaram esse questionamento em voz alta.
No dia 8 de março de 1917, milhares de russas se reuniram em uma passeata pedindo os direitos para o gênero feminino, bem como o fim da guerra e do desemprego. Assim, nos anos seguintes, o Dia das Mulheres continuou a ser celebrado naquela data pelo movimento socialista, na Rússia e nos demais países do bloco soviético.
Décadas mais tarde, a luta feminista seguiu ativa, cada vez mais forte e presente: o direito ao voto se consolidou, as leis cresceram e se adequaram, assim como a sociedade como um todo.
Mas foi só em 1975, no entanto, que a ONUestabeleceu o dia 08 de março para comemorar o Dia Internacional dos Direitos da Mulher.
A ONU Mulher tem tido papel importante nessa luta e de sua página colhemos dados importantes: US$360 bilhões: É necessário um adicional de US$360 bilhões por ano para alcançar a igualdade de gênero plena. 20%: Reduzir as diferenças de gênero no mercado de trabalho poderia aumentar o PIB per capita em 20%. 300 milhões: Reduzir as diferenças nos cuidados e expandir serviços com empregos decentes poderia gerar quase 300 milhões de empregos até 2035.
Se as tendências atuais continuarem, mais de 342 milhões de mulheres e meninas poderão estar vivendo em extrema pobreza até 2030. Para garantir que as necessidades e prioridades das mulheres sejam consideradas, os governos devem priorizar o financiamento sensível ao gênero e aumentar os gastos públicos com serviços essenciais e proteção social.
Os formuladores de políticas também devem valorizar, reconhecer e considerar a contribuição vital que as mulheres dão às economias em todo o mundo através do trabalho de cuidado remunerado e não remunerado.
As mulheres gastam cerca de três vezes mais tempo em trabalho de cuidado não remunerado do que os homens e, se fosse atribuído um valor monetário a essas atividades, elas representariam mais de 40% do PIB.
Ainda há muito a ser feito para que os propósitos dessa causa, que deve ser de todos, sejam atingidos.
Segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 92ª posição em igualdade de gênero, dentre 153 países. Considerando as 25 nações da América Latina e do Caribe, estamos na desonrosa 22ª posição.
Muito mais grave ainda é o dado apresentado nesta quinta-feira, 7 de março, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O relatório dá conta de que, em 2023, o Brasil registrou, em média, um feminicídio a cada seis horas.
Portanto, o dia internacional da mulher é muito importante, muito mais para reflexão e discussão dos problemas ainda enfrentados pelas mulheres, pois apesar de serem a maioria da população, recebem salários inferiores, a grande maioria está a mercê da feminização da pobreza, vítimas de violência e da misoginia.
E quando se “atrevem” a alcançar um espaço de poder e decisão ou mesmo um cargo eletivo ou na política, as oportunidades não são iguais, as barreiras são enormes, posto que, tem que provar que tem muito mais capacidade do que seu adversário do sexo masculino, estar bonita e jovem, demonstrar que tem quem vai cuidar de seus filhos e pais, que tem dinheiro para suportar a sua campanha e assim por diante.
E se chegou lá começa outra batalha, superar as discriminações de seus pares, exigências que são aumentadas por sua condição de gênero, dificuldade de expor e apresentar seus projetos sem a interrupção ou até desvio da propriedade do projeto, críticas por vezes diretas e pessoais e não para o cargo, e assim por diante.
Esse conjunto de problemas tem afastado as mulheres de alçar cargos maiores ou até interrompem sua vida profissional, mudanças que poderiam muito contribuir com a coletividade, até porque a mulher tem esse senso de coletivo maior e mais apurado.
E nunca é demais lembrar que se somos mais da metade da população, excluir as mulheres do legislativo, executivo, judiciário e da própria vida empresarial e privada, estamos deixando de ouvir metade da população, o que não é justo e tampouco equânime.
A ONU Mulheres tem procurado divulgar nas suas ações que “Investir nas mulheres e defender a igualdade de gênero impulsiona um futuro em que todos podem prosperar na sociedade, criando um mundo de oportunidades ilimitadas e empoderamento para todos.”
Que possamos realmente aprimorar nossas reflexões durante o mês de março para trazer soluções, avanços e oportunidades para todas as mulheres e que possam ser protagonistas de suas vidas, sem discriminação e sem violência.
Por outro lado, vamos continuar nessa luta, plantando tâmaras, comemorando o 08 de março, mas também cobrando oportunidades, políticas públicas e efetivação de direitos constitucionais, sem medo de ser feliz!
Dra. Iacita Azamor Pionti
Advogada e presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres