É um questionamento recorrente, quando se verifica o reduzido índice de mulheres que ocupam espaços na política. No entanto, como somos a maior parte do eleitorado, também temos sido um voto disputadíssimo e almejado pelos partidos políticos e seus dirigentes.
Por isso, muitos candidatos têm falado em “mulheres” e em “feminismo” visando a aproximação com o eleitorado feminino e conquistar a nossa confiança, mas sem ter, de fato, uma plataforma para o tema, soluções para as diferentes demandas e real conhecimento das realidades e das interseccionalidades que perpassam cada uma de nós.
Lembrando que as mulheres em 1932 obtiveram o direito de votar e de serem votadas – o jus suffraggii e o jus honorum, como distinguiam os romanos. O curioso é que o sistema proporcional, que exatamente cuida que o parlamento seja um “espelho” da sociedade, não as atendeu até a atualidade no sentido de dotar o Congresso de uma significativa bancada feminina.
Nas eleições para a Constituinte de 1933, elegeu-se, entre “os deputados do povo”, apenas uma mulher, Carlota Pereira de Queiroz, por São Paulo e outra candidata, Berta Lutz, alcançaria a primeira suplência, pelo Distrito Federal.
E ainda hoje os índices não ultrapassam 18% considerando as Câmaras municipais, estaduais e federais, e não é diferente o alcance nas esferas do legislativo e executivo, muito abaixo de países subdesenvolvidos.
Me chama atenção uma pesquisa apresentada em aprendiz.org.br com manifestação de alguns pesquisadores e que tomo a liberdade de citar abaixo, ressalvados os créditos.
“Numa empreitada intelectual realizada por três grandes empresas (Sadia, Electrolux e Avon) durante um ano, de abril de 2001 a 2022. Bancaram pesquisadores (13 equipes, que envolveram cem profissionais), inclusive antropólogos, para descobrir tendências femininas: fizeram entrevistas nos principais centros urbanos (São Paulo, Rio, Porto Alegre, Brasília, Recife), mas também com mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, da tribo caiová, em Mato Grosso do Sul, e do quilombo Frechal, no Maranhão.
Convidadas a responder se gostariam de fazer política, em sua maioria, esquivaram-se: “Deus me livre”. Mas mostraram-se dispostas a oferecer, com prazer, seu voto à mulher que se dispuser a enfrentar os preconceitos e as pressões do cotidiano, marcado pela corrupção.
Detectou-se que a mulher é vista como “mais sensível aos problemas da corrupção, menos corruptível e mais preocupada com o futuro do país, com as próximas gerações”. Importa pouco o partido e mesmo a ideologia; importa muito, porém, a imagem de honestidade.
Há tendências que vão mudando a cara do Brasil: o envelhecimento da população graças ao aumento da expectativa de vida; a melhoria dos níveis de escolaridade, a demanda por mais vagas no ensino superior; uma maior preocupação das empresas com a vida dos seus funcionários e de sua comunidade.
Entre as principais tendências observadas está o fato de a mulher ganhar cada vez mais espaço no mercado de trabalho, embora, ao mesmo tempo, acumule as atividades domésticas, num duplo estresse e aumento do trabalho não remunerado.
A mulher, segundo a pesquisa, sente-se só e cansada. “Não são apenas as oito horas em dois períodos que não se ajustam às necessidades de uma dona-de-casa que trabalha fora. O mesmo se pode dizer das atitudes que valorizam os sentimentos e os comportamentos considerados adequados, de sucesso, a serem aprendidos. Existe uma modelagem estrutural do trabalho que não pertence ao feminino.”
O diagnóstico pode parecer algo óbvio, mas a consequência desse desgaste não, tanto para quem vende produtos como para quem vende ideias.
Por conta do corre-corre, a mulher está valorizando mais e mais o bairro. As escolhas de consumo – da escola do filho, passando pelo médico e pelo terapeuta, até as compras- estão crescentemente vinculadas à distância geográfica. “As atividades tendem a ser acopladas. A aula de ginástica transforma-se em uma caminhada rápida, passando pelo mercadinho. Na volta, compra-se o jornal, para-se na padaria para comprar o pão e tomar o café.”
A consequência desse “bairrismo” é que, para a mulher, a política faria mais sentido se significasse intervir na comunidade em que mora. Nota-se, aqui, como cresce a agenda urbana, a preocupação com a administração municipal, na vida das pessoas, numa desconcentração das atenções; política municipal, no Brasil, tem a tradição de ser coisa menor. “O bairro e a cidade se revestem de outros significados, muito mais profundos, mais arraigados à cultura daquele pedaço de mundo.”
A modernidade política brasileira é menos visível na plataforma dos candidatos muitas vezes, um amontoado de ilusões, de propostas com baixa viabilidade ou de tiradas mercadológicas do que na nova mentalidade dos brasileiros e nas suas novas atitudes, em especial as das mulheres.
A agenda política é vista com descrédito pela população porque, entre outras razões, está distante do cotidiano. (0. p. 427-436.)
Uma das conclusões é que a mulher, premida pelas tarefas da casa e do trabalho, vai ficando mais pragmática e dá menos atenção aos modismos ou vontades estimuladas pela mídia. Significa dizer que se torna uma consumidora mais rigorosa e uma eleitora. “
A íntegra da pesquisa, coordenada pela CPM Research, está na página do Aprendiz: www.aprendiz.org.br.
Pesquisadores ouvidos pela reportagem consideram o resultado do levantamento um reflexo do cenário político nacional, muito hostil às mulheres, e destacam como principal ponto positivo o fato de que o público feminino não está rejeitando as candidatas. As mulheres apenas buscam estratégias viáveis na hora de escolher o voto, priorizando agendas econômicas e políticas concretas.
A maioria esmagadora do grupo feminino (80%) não vê diferença entre votar em homem ou mulher nas eleições: o que importa são as propostas.
E esse entendimento tem sido esposado por uma grande parte dos pesquisadores de que não se trata de simplesmente “mulher não vota em mulher”, mas que mais mulheres tenham a coragem e condições de oportunidades para se lançar à disputa de um cargo eletivo e que possam apresentar propostas que alcancem os anseios e agendas concretas e tenham empatia do público feminino.
E chama atenção também para o fato de que as mulheres se preocupam com os problemas mais próximos às suas realidades, portanto, nas eleições municipais que se aproximam as candidatas mulheres deverão ter essa sensibilidade em trazer propostas visando a educação de qualidade, creches para atender seu filhos enquanto trabalham, segurança alimentar, segurança pública, moradia digna e um arcabouço de políticas públicas que alcance a todos, inclusive, as mulheres que não vem participando dessas discussões pela quantidade desproporcional no legislativo.
Que possamos progredir nas próximas eleições municipais, que se apresente uma maior quantidade de candidatas mulheres com essa linha de pensamento e disposição de lutar por eles, passando a credibilidade e confiança necessárias para que as mulheres votem nas mulheres, sem medo de ser feliz!
Dra. Iacita Azamor Pionti
Advogada e presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres