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O ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

O assédio moral é uma conduta abusiva, propositada, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho, que vai minando a autoestima e fere a dignidade da vítima. Note-se que um ato isolado, um xingamento, um grito em determinado momento, não configura o assédio moral. Para caracterizar o assédio moral é necessário que as condutas negativas sejam repetitivas, dirigidas a uma pessoa ou grupo específico, em uma relação de poder e força, visando prejudicar o ofendido. 

Reprimendas normais dos chefes e o controle sobre os empregados, desde que este poder disciplinar do superior hierárquico seja exercido de maneira adequada, assim como a exigência de observância e respeito aos regulamentos internos do órgão ou empresa, dentro do normal poder diretivo, não se caracterizam como assédio moral.

O assédio pode ocorrer nas seguintes formas: • Vertical descendente – de cima para baixo: do superior para o trabalhador; • Vertical ascendente – de baixo para cima: do trabalhador para o superior; • Horizontal – na mesma hierarquia: entre os colegas de trabalho; • Misto: horizontal e vertical.

Não temos lei específica para conceituar ou disciplinar as penalidades para os casos de assédio moral, muito embora no Brasil, a pesquisa pioneira realizada pela médica do trabalho Margarida Barreto, em sua dissertação de mestrado, constatou que 42% dos trabalhadores entrevistados foram vítimas de assédio moral nas empresas. 

“A teoria do assédio moral se baseia no direito à dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil, como prevê o artigo 1º, inciso III, da Constituição”, observa a ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, do Tribunal Superior do Trabalho. “Épossível citar, também, o direito à saúde, mais especificamente à saúde mental, abrangida na proteção conferida pelo artigo 6º, e o direito à honra, previsto no artigo 5º, inciso X, também da Constituição”, acrescenta. 

A Constituição Federal, em seu artigo 1º, fixa os fundamentos da República, entre eles: cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais da livre iniciativa (CF/1988, art. 1º, incisos II, III e IV). Em seu artigo 3º, a CF/1988 elenca os objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF/1988, art. 3º, incisos I e IV). 

A Constituição Federal prevê, ainda, em seu artigo 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (…) III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (CF/1988, art. 5º, incisos I e III).

Atitudes que podem caracterizar o assédio moral: 

1. DESPRESTIGIAR INTENCIONALMENTE A REPUTAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSEDIADO, BEM COMO O AMBIENTE E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO: 

a- Afastar a autonomia da vítima; b. Não comunicar as informações necessárias à execução das tarefas; c. Contrariar sistematicamente suas apreciações e deliberações; d. Criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada; e. Limitar o acesso aos instrumentos de trabalho (telefone, computador, etc.); f. Retirar o trabalho que habitualmente executa; g. Atribuir tarefas inferiores às suas competências; h. Pressionar para que não exija seus direitos a férias, horários, premiações; i. Apresentar instruções impossíveis de realizar; j. Induzir a vítima ao erro; k. Impor tarefas humilhantes.

2. LEVAR A VÍTIMA AO ISOLAMENTO, MINANDO SUAS RELAÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS: 

a- Proibir os colegas de lhe falar; b. Comunicar com a vítima somente por escrito; c. Colocá-la em espaço físico separada dos demais colegas; d. Proibi-la de falar com os outros; e. Dirigir-se apenas aos outros, ignorando sua presença; f. Silenciar, reiteradamente, diante de solicitação ou indagação para a realização do trabalho ou pedido de informação de qualquer natureza. 

3. INVESTIDAS CONTRA SUA VIDA PESSOAL: 

a- Zombar de suas deficiências com atitudes caricaturadas; b. Espalhar boatos a seu respeito; c. Criticar sua vida privada; d. Atacar suas convicções políticas, religiosas, ou sua origem social; e. Fazer gestos de desprezo como suspiros e olhares de desdém; f. Insinuar que a pessoa tem distúrbios psicológicos; g. Desdenhar suas qualidades. 

4. USAR VIOLÊNCIA FÍSICA, VERBAL OU SEXUAL: 

a- Ameaçar ou agredir fisicamente, mesmo que de maneira leve ou pouco agressiva, como, por exemplo, empurrar, fechar a porta “na cara”, esbarrar, rasgar o trabalho feito pela pessoa e jogá-lo fora agressivamente; b. Utilizar gestos ou proposta que indiquem assédio ou agressão sexual; c. Comunicar-se aos “berros”.

A dificuldade está na caracterização do que seja “humilhação” ou “perseguição”. Existem os casos absurdos, quando a chefia, por exemplo, chama, repetidamente, a vítima de “incompetente”, “burro”, ou coloca o empregado de “castigo”, isolando-o dos demais colegas, sem lhe atribuir trabalho. Há ainda o caso de chefias rudes que falam alto e, embora não ofendam os subordinados, nem os persigam, acabam por constrangê-los quando lhes dirigem a palavra, sobretudo aqueles mais tímidos e frágeis. Configura-se, também, assédio moral o linguajar antissocial, não usual ou chulo utilizado no ambiente de trabalho, que possa ferir a honra e o respeito devidos. 

Para configurar o assédio moral cabe fazer alguns questionamentos diante da situação: O comportamento é importuno ou ofensivo? O comportamento é considerado inaceitável pelos padrões éticos de conduta? O comportamento, rebaixou ou causouhumilhações ou vergonha para a pessoa a quem foi dirigido? O comportamento é prejudicial à saúde ou ao ambiente de trabalho? Em caso de confirmação de duas das perguntas é motivação para uma investigação mais apurada.

As maiores consequências do assédio moral são adepressão, angústia, crises de choro, Insônia, reduçãoda capacidade de concentração e memorização, dificuldades para tomar decisões, baixa autoestima, irritação constante, isolamento, cansaço exagerado, aumento de peso ou emagrecimento exagerado, distúrbios digestivos, aumento de pressão arterial, tremores e palpitações e em alguns casos extremos, risco de suicídio.

Trata-se de comportamento extremamente pernicioso para o trabalhador, em particular, bem como para o ambiente de trabalho e para a organização como um todo trazendo  comprometimento da governança e da integridade da organização. Exige atenção priorizada e efetiva tanto para sua prevenção quanto para sua repressão, no sentido de combatê-lo. 

 A psicóloga francesa Marie-France Hirigoyen, autora de um estudo sobre o assunto, acredita que a punição ao assédio moral ajudaria a combater o problema, pois “imporia um limite ao indivíduo perverso”, assim como a Dra. Margarida Barreto, autora de tese em psicologia social pela PUC – SP, que constatou que a ação do chefe que humilha seus subalternos é mais prejudicial à saúde do que se imagina, pois a exposição do trabalhador a frequentes situações de humilhação pode causar-lhe doenças acentuadas, culminando inclusive com tentativas ou pensamentos suicidas, como, também, manifestações explosivas das emoções arquivadas, já que o assédio moral fere a dignidade e é percebido pelos que o sofrem como fracasso e incapacidade. 

Um primeiro passo é possibilitar que todas as pessoas que trabalhem na organização conheçam o que é “assédio moral” e saibam a quem procurar para pedir ajuda.

Entre as iniciativas esperadas, estão o planejamento e organização do trabalho, levando em consideração a autodeterminação de cada empregado ou servidor público, possibilitar o exercício da responsabilidade funcional e profissional de acordo com as suas competências, dar ao empregado ou servidor público a opção de conhecer as diversas atribuições do setor, possibilitando-lhe a execução de atividades ou tarefas funcionais que se adaptem ao seu perfil profissional, assegurando a oportunidade de contato com seus superiores e com a equipe de trabalho, possibilitar a realização de tarefas individuais e coletivas de trabalho, oferecer treinamentos e informações sobre o funcionamento e a responsabilidade do serviço, de acordo com suas atribuições legais, garantindo, assim, aprimoramento pessoal do trabalhador e a sua dignidade, orientar, pessoalmente ou por meio da equipe, como as tarefas devem ser executadas, disseminando conhecimentos e experiências já adquiridas, sem expor os erros ou as falhas do trabalhador. 

Finalmente listamos algumas frases que machucam e podem caracterizar o assédio moral: – É melhor você desistir! – É muito difícil e isso é para quem tem garra! – Não é para gente como você! – Essa coordenação não é lugar para doente. Aqui você só atrapalha! – Se você não quer trabalhar, por que não dá lugar para outro? -Teu filho vai colocar comida na sua casa? Você não pode sair para resolver problema pessoal do seu filho. Escolha: ou trabalha ou toma conta do filho! – Lugar de doente é no hospital! Aqui é para trabalhar! – Pessoas como você têm um monte aí fora! – Você é mole! Se você não tem capacidade para trabalhar, fique em casa! – Vá para a casa lavar roupa! – É melhor você pedir demissão! Você está doente! Está indo muito ao médico. – Como você pode ter um currículo tão extenso e não consegue fazer essa coisa tão simples?

Ou ainda – Eu não preciso de gente incompetente igual a você! – Você é mesmo difícil! Não consegue aprender as coisas mais simples, até uma criança faz isso! – Não converso mais com você! A partir de agora nossa conversa será exclusivamente por e-mails. – Você sabe com quem está falando? Sabe que posso te prejudicar? – Você só atrapalha a equipe. Não quero mais que participe de nenhuma reunião de trabalho. – Sua convicção política é ridícula! Vai estudar a história do país! E assim por diante.

É imprescindível a adoção de limites legais e comportamentais que preservem a integridade física e mental dos indivíduos, sob pena de perpetuarmos essa “guerra invisível” nas relações de trabalho, com respeito e dignidade, preservando os direitos fundamentais da Constituição Federal,  sem medo de ser feliz!

Iacita Azamor Pionti

Advogada e presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres

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