Fenômeno é antigo, mas tomou uma nova dimensão com as redes sociais, em que curtidas e compartilhamentos incentivam pessoas a se exporem cada vez mais – Foto: GETTY IMAGES
A adultização precoce de crianças e adolescentes, impulsionada e amplificada pelo ambiente digital e pelas redes sociais, emergiu como um complexo problema psicossocial com consequências profundas para o desenvolvimento infanto-juvenil e para a dinâmica familiar.
Este fenômeno se manifesta na exposição e incentivo a comportamentos, linguagens, estéticas e questões tipicamente adultas em fases da vida onde a criança ou o adolescente ainda não possui o desenvolvimento cognitivo e emocional necessário para processá-las adequadamente (Fundação Abrinq, 2025).
A infância e a adolescência são períodos determinantes para a formação da identidade, da autoestima e da compreensão do mundo. A adultização forçada ou estimulada interfere nesse processo natural, impondo uma pressão indevida sobre o indivíduo.
Distorção da imagem corporal e sexualização
A exposição a padrões de beleza e comportamento sexualizados, frequentemente promovidos nas redes, pode levar a uma insatisfação corporal precoce, baixa autoestima e, em casos mais graves, ao desenvolvimento de transtornos emocionais. A sexualização prematura priva a criança da fase da inocência e coloca o foco no corpo como objeto de validação (Hospital Pequeno Príncipe, 2025).
Ansiedade de performance e Burnout
O ambiente online exige uma performance constante para obter likes e manter uma imagem idealizada. Crianças e adolescentes, imersos nessa cultura, podem desenvolver altos níveis de ansiedade, estresse crônico e um burnout (esgotamento) associado à necessidade de se manterem “perfeitos” para o público digital (VEJA, 2025).
Aceleração da maturidade inadequada
Ao serem expostos a temas complexos ou responsabilidades financeiras (como no caso de mini-influencers), a criança pode ter sua maturidade apressada, pulando etapas importantes do aprendizado lúdico, essencial para o desenvolvimento cognitivo, motor, emocional e social (Hospital Pequeno Príncipe, 2025).
Impacto nas famílias e a responsabilidade parental
A adultização digital frequentemente ocorre com a participação ativa ou passiva dos pais e responsáveis. Quando os pais transformam seus filhos em “conteúdo” para fins de monetização (sharenting), o limite entre a proteção e a exploração se torna tênue. Essa prática, que envolve o compartilhamento excessivo de imagens e informações dos filhos, pode fazer com que a criança se veja como um produto ou fonte de renda, gerando um impacto emocional devastador e constituindo uma forma de violência (UNIFOR, 2025; IBDFAM, 2025).
O sharenting elimina a privacidade da criança, expondo-a a riscos de pedofilia, cyberbullying e até sequestro, além de privá-la do direito de construir sua narrativa pessoal fora do olhar público. A superexposição é um dos grandes problemas da falta de conscientização dos pais (Index Law Journals, 2022; NIC.br, 2025).
A parcela de culpa dos meios de comunicação e da cultura de influência
Os meios de comunicação, as plataformas digitais e a indústria da moda e entretenimento carregam uma responsabilidade significativa na propagação desse problema.
As plataformas priorizam conteúdos que são chocantes, polêmicos ou sexualizados, mesmo que envolvam menores. Os algoritmos amplificam a visibilidade desses perfis e vídeos, pois quanto mais “esdrúxulo” ou “erotizado” é o conteúdo, mais dinheiro ele gera para as empresas e para quem expõe as crianças (Agência Brasil, 2025; CNN Brasil, 2025).
Para isso, especialistas e legisladores defendem que a regulação das plataformas é fundamental, pois as empresas de tecnologia, embora tenham capacidade técnica, pouco fazem para moderar esse tipo de conteúdo quando não são obrigadas. A inação das plataformas as torna corresponsáveis pela proteção da infância no ambiente digital (Agência Brasil, 2025; Central Meio, 2025).
FELCA
O tema ganhou enorme repercussão no cenário nacional após a divulgação do vídeo intitulado “Adultização” pelo influenciador Felca (Felipe Bressani).
Publicado em agosto de 2025, o vídeo viralizou rapidamente, alcançando dezenas de milhões de visualizações e gerando um debate amplo e urgente (GZH, 2025; InfoMoney, 2025). Felca denunciou casos de exploração e sexualização indevida de menores em conteúdoS online, chegando a expor como o algoritmo de algumas plataformas rapidamente recomenda material similar após a interação com conteúdos sugestivos (CNN Brasil, 2025).
A denúncia teve consequências diretas, reacendendo o debate no Congresso Nacional e impulsionando a discussão sobre projetos de lei para regulamentar a segurança de crianças e adolescentes em meios digitais, além de resultar em ações de responsabilização jurídica contra adultos citados no conteúdo (Central Meio, 2025; InfoMoney, 2025). O vídeo de Felca serviu como um grito de alerta sobre a urgência de proteger o desenvolvimento emocional e a segurança da infância no ambiente digital.
Proteger a inocência é urgente!
A tarefa mais desafiadora da sociedade contemporânea é proteger a infância, garantindo que esta fase essencial da vida possa se desenvolver em seu ritmo natural, livre das pressões, estéticas e responsabilidades tipicamente adultas.
Proteger a criança e adolescentes da adultização significa preservar a integridade do seu desenvolvimento emocional, cognitivo e social. A imposição de temas e padrões adultos em fases inadequadas tem consequências devastadoras:
Estratégias de proteção no âmbito familiar e parental
A linha de frente na proteção da criança é a família. Os pais e responsáveis têm um papel ativo e vigilante na blindagem dos filhos contra as ameaças do ambiente digital.
A solução não é apenas proibir, mas educar, e, educar, não tem sido uma tarefa fácil. Cada vez ais, pais mergulhados no trabalho, acabam deixando essa tarefa em segundo plano, transferindo a responsabilidade à escola e o que é pior, para o meio digital.
Primeiro, é fundamental que os pais desenvolvam a alfabetização midiática em conjunto com os filhos, ensinando-os a consumir conteúdo criticamente, a identificar padrões de manipulação e a entender a diferença entre a realidade e o que é projetado nas telas.
Segundo, os pais precisam revisitar a prática do sharenting (compartilhar em excesso a vida dos filhos). Proteger significa respeitar a privacidade da criança e dar-lhe o direito de construir sua narrativa pessoal fora do olhar público.
Terceiro, estimular atividades que resgatem a essência da infância—como brincadeiras ao ar livre, leitura e interações sociais fora das câmeras—é uma forma poderosa de neutralizar a pressão da performance e da estética digital (Hospital Pequeno Príncipe, 2025).
Outra questão importante, é que a proteção das crianças e adolescentes não pode ser uma responsabilidade apenas dos pais; exige a colaboração de toda a sociedade, especialmente das gigantes da tecnologia.
As plataformas devem ser cobradas por algoritmos que priorizem o bem-estar e a segurança das crianças em detrimento do lucro e do engajamento. Nós, como sociedade devemos pressionar por leis que responsabilizem as empresas pela amplificação de conteúdos sexualizados ou inapropriados, como reforçado pelo debate gerado pelo vídeo-denúncia do Felca.
Fiscalização e Denúncia
Os pais e a sociedade como um todo, precisam ser fiscalizadores ativos. Profissionais de educação, saúde e a comunidade em geral precisam estar atentos aos sinais de adultização ou exploração e realizar a denúncia de conteúdos ou perfis que colocam crianças em risco.
A proteção da infância contra a adultização digital é, em essência, um ato de preservação do futuro. Ao garantir que as crianças desfrutem de um desenvolvimento emocional e psicológico completo, sem as pressões e distorções do mundo adulto, estamos investindo em uma geração mais saudável, equilibrada e autêntica.
Olga Cruz





