Quantas vezes te disseram: “mulher não pode sentar-se de pernas abertas”, “não deve colocar os pés sobre a mesa”, “não deve usar blusas decotadas ou saias curtas” ou, ainda, “não deve falar alto”? E quantas vezes te falaram que mulher tem que casar, ser mãe, bonita e sedutora?
Na sociedade marcada pela desigualdade de gênero, desde criança nossos corpos e comportamentos são observados e disciplinados. O patrulhamento começa com nossos pais e familiares, depois vem os namorados e os maridos. Somos vigiadas e punidas nas escolas, nas instituições religiosas, nos clubes sociais e no mercado de trabalho. Os meios de comunicação, ao veicularem estereótipos de gênero e objetificarem a mulher, também propagam a ideia de que os corpos e os comportamentos femininos “precisam” ser regulados.
Até meados do século XX existiam manuais de etiqueta e impressos higienistas, dirigidos às mulheres, que ditavam regras de comportamento, asseio e controle dos seus corpos. Quando essas publicações foram desaparecendo, as normas de conduta passaram a atravessar outras mídias: livros, novelas, romances, filmes e revistas.
Apesar de aparecerem em todos esses veículos, a normatização do feminino cresceu muito com as revistas especializadas em mulheres. Elas tornaram-se mais populares a partir dos anos 1970, tratando sobre as modas e os modos “ditos” femininos. Nas suas páginas sempre apareceram e aparecem lições sobre beleza, decoro, casamento, maternidade e culinária. O modelo de mulher aparece, prioritariamente, vinculado à maternidade, à família, ao casamento e ao sexo.
De 1970 até a atualidade, é evidente que as revistas femininas mudaram, acompanhando as transformações do contexto econômico e social. Porém, mesmo que tenham incorporado algumas alterações, no geral, essas revistas continuam repassando estereótipos de gênero feminino tradicionais. Obviamente, há exceções, por exemplo esse veículo no qual publico meus textos.
Além de divulgar estereótipos tradicionais, outro problema das revistas femininas é que elas tratam problemas sociais e culturais como se fossem individuais. Exemplo: “Regina, se seu casamento não vai bem, você precisa reconquistar seu marido” ou “Solange, se você está desempregada, não desanime, procure um curso de atualização”. Ou seja, a instituição família tradicional está em crise, mas a solução deve partir de você, Regina. O desemprego é um problema econômico e social, mas a resolução, Solange, passa por você se qualificar mais.
Lembremos, igualmente, que essas revistas estão inseridas num mercado produtor e consumidor de produtos. Além da mulher consumir a publicação, comprando-a, ela também vai absorver o estilo de vida que o impresso divulga e adquirir os produtos anunciados nas suas páginas. Idealizam a beleza feminina e anunciam produtos cosméticos. Ou, como as revistas passam a ideia de que a mulher é mais vinculada ao lar, veiculam anúncios de produtos domésticos.
Obviamente, não é fácil definir o que é ser mulher na atualidade. Talvez, o primeiro passo seja o de desconstruir os estereótipos de gênero que estão consolidados e reconhecer que não existe uma única forma de expressão do feminino. Devemos falar em mulheres, no plural mesmo. Fatores como raça e situação econômica podem diferenciar o que é ser mulher, mas há, com certeza, inúmeras outras causas e devemos falar sobre isso.
São bem vindas mais publicações que façam mulheres e homens refletirem sobre as relações entre os sexos, sobre diversidade, igualdade de gênero, de direitos sociais e de oportunidades.
Muitas críticas já foram feitas à tendência de normatizar e adequar os indivíduos aos modelos tidos como ideais. Cito uma crítica ácida, num formato musical. Em 1968, Tom Zé fez uma música chamada “Curso Intensivo de Boas Maneiras”, fazendo crítica aos Manuais de etiqueta. Num trecho, ele cantava:
“Alô, como vai?
(…) vou estudar
Boas maneiras
Para me comportar
Primeira lição:
Deixar de ser pobre
Que é muito feio
Andar alinhado
E não freqüentar
Assim qualquer meio
Vou falar baixinho
Serenamente
Sofisticadamente
Para poder
Com gente decente
Então conviver…”
*Texto de Ivana Everaldo
Doutora em História, mestra em Educação e graduada em Pedagogia. Professora aposentada pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mantém-se na luta cotidiana pela educação de qualidade, democrática e para todos.