Sob o comando do ministro Luís Roberto Barroso, que assumiu a presidência há um ano, e com Gilmar Mendes como decano (integrante mais antigo), o STF (Supremo Tribunal Federal) reforçou a postura de defesa da corte em polêmicas que envolvem ministros e seus auxiliares.
O tribunal se uniu nos últimos anos para se defender dos ataques feitos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e por seus aliados. Tanto no período em que ele estava no governo quanto logo após a posse de Lula (PT) em 2023, quando a sede da corte foi destruída em 8 de janeiro.
Mas o tribunal passou a reagir não só contra ataques infundados e a tentativas de desobediência de ordens, marcas desse período mais crítico, mas também a publicações jornalísticas que questionaram atitudes ou comportamentos dos ministros, ou a ameaças do Congresso de promover reformas no tribunal.
Em uma série de ocasiões, o presidente, o decano e outros integrantes da corte se manifestaram por meio de discursos no plenário, entrevistas ou desagravos públicos.
É uma tradição que o membro mais antigo do tribunal faça, em conjunto com o presidente, esse tipo de manifestação em nome dos pares.
Apesar de ter um histórico de enaltecimento da imprensa e de liberdades individuais, Barroso demonstrou em algumas situações incômodo com conteúdos e questionamentos negativos a respeito de condutas dos ministros. Em outras, minimizou episódios que causaram crise à imagem do tribunal.
No primeiro semestre desse ano, o Supremo foi questionado pela participação de ministros em eventos fechados bancados por empresas com ações na corte, pela falta de transparências em agendas, pelas despesas do tribunal e também sobre o rito dos inquéritos tocados pelo ministro Alexandre de Moraes.
Em junho, no programa Roda Viva (TV Cultura), Barroso foi questionado sobre esses temas e sobre a ida do ministro Dias Toffoli à final da Champions League com o empresário Alberto Leite. A agenda não foi divulgada, mas teve a segurança bancada pelo Supremo.
Em resposta, ele disse que via “uma certa implicância” sobre o assunto. “Foi um evento privado, ele foi assistir a um jogo de futebol. Ele escolheu para a vida privada dele assistir a um jogo de futebol. É preciso saber se ele atendeu a algum interesse desse empresário, eu acho que evidentemente não”, afirmou.
Poucas semanas depois, ao fazer um balanço dos trabalhos do primeiro semestre, o presidente do STF fez um parêntese para afirmar que o tribunal é rigoroso com gastos de passagens aéreas, em resposta a publicações que tratavam do tema.
Ao menos em duas ocasiões, Barroso e Gilmar também saíram em defesa do ministro Alexandre de Moraes, em desagravos conjuntos. Outros ministros também fizeram o mesmo.
Uma delas foi após os ataques do empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), a determinações de Moraes que envolvem a plataforma.
A segunda foi um dia depois de a Folha revelar que Moraes usou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de maneira informal para investigar bolsonaristas no Supremo.
Barroso chamou o episódio de “tempestade fictícia”, disse que não houve irregularidade na condução dos processos do ministro e afirmou que “o papel da imprensa é divulgar mesmo a notícia que parece interessante ao público”.
Mas acrescentou: “As narrativas equivocadas e as narrativas inverazes, essas nós precisamos enfrentar”.
Na ocasião, Gilmar disse “a censura que tem sido dirigida ao ministro Alexandre, na sua grande maioria, parte de setores que buscam enfraquecer a atuação do Judiciário e, em última análise, fragilizar o próprio Estado democrático de Direito”.
Barroso voltou a defender o ministro em entrevista posterior à Folha. Disse que não viu irregularidades em sua conduta, e Gilmar fez o mesmo ao ser entrevistado pelo Canal Livre, da Band.
A presidente do TSE, Cármen Lúcia, e o ministro Flávio Dino, também saíram a público para defender Moraes.
Em pronunciamento, ela disse que Moraes havia cumprido “enorme papel” quando era presidente do TSE, e Dino pediu aplausos ao colega em evento.
O entorno de Barroso tem lembrado que o papel do presidente é o de preservar o equilíbrio e a união institucional da corte, além de proteger a integridade dos seus membros.
Barroso tomou posse na presidência do Supremo em 28 de setembro do ano passado, sucedendo a ministra Rosa Weber, que se aposentou logo após passar a chefia ao colega. Seu mandato vai até o segundo semestre do ano que vem.
À época, o STF já estava em conflito com o Congresso, acirrado sobretudo por questões que deputados e senadores entendiam como invasão de competências dos parlamentares —como o julgamento do marco temporal e o voto de Rosa, logo antes de se aposentar, sobre descriminalização do aborto.
Em entrevista durante a crise, Gilmar disse ser “estranho que se decida começar a reforma constitucional pelo tribunal”. Ainda falou que parlamentares que criticavam a corte “foram quase que compassivos com as investidas [eleitoreiras] do Bolsonaro em respeito à aprovação de todas as medidas –a PEC Kamikaze, redução do preço de combustíveis, e nós na defensiva o tempo todo”.
Já Barroso questionou a possibilidade de aprovação de uma emenda à Constituição que permita ao Legislativo a derrubada de decisões da corte.
Na semana passada, com o avanço na Câmara de propostas que limitam poderes de ministros do Supremo, Barroso teve que fazer um novo apelo durante a sessão do plenário.
Em manifestação, disse que “não se mexe em instituições que estão funcionando e cumprindo bem a sua missão por injunções dos interesses políticos circunstanciais e dos ciclos eleitorais”.
Como nas outras ocasiões, Gilmar Mendes respondeu. Agradeceu pelo discurso de Barroso, disse que, “se a política voltou a respirar ares de normalidade, isto também se deve à atuação firme do STF”.
Fonte: Folha de São Paulo