“Amiga, se eu comprar essa semana ainda, vou ser taxada?”
“Se a taxação for aprovada, vou continuar comprando na Shein?”
Uma pesquisa rápida no TikTok revela a preocupação de consumidores de marcas populares na internet, como a varejista chinesa Shein, com um projeto de lei que pretende taxar em 20% as compras internacionais até US$ 50 (R$ 265) — o que vem sendo apelidado de “taxa das blusinhas”.
Nesta semana, quarta-feira (5), a preocupação deu mais um passo em direção à concretização: um projeto que prevê a taxação foi aprovado no Senado Federal e, por ter sido alterado na Casa, terá que voltar para votação na Câmara dos Deputados.
Afinal, quanto vai custar a blusinha se a taxa for aprovada?
João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), detalha os cálculos a seguir.
Atualmente, as compras internacionais em varejistas online no valor de até US$ 50 com frete e outros encargos são isentas de impostos de importação.
Mas, apesar da isenção federal, as mercadorias pagam um tributo arrecadado pelos Estados, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pelo regime do programa Remessa Conforme, lançado pelo governo federal no ano passado.
Em seu cálculo, João Eloi Olenike, do IBPT, simulou o exemplo de uma compra que, originalmente sem impostos, custe R$ 200 (US$ 37,8494, pela cotação de 05/06 do Banco Central) no site de uma varejista online.
O cálculo usou a alíquota efetiva de 20,48% do ICMS conforme o regime mais comum aplicado entre os Estados.
Esse produto teria o preço calculado da seguinte maneira, pelas regras atuais:
R$ 200 (valor da compra) + 20,48% (ICMS) = R$ 240,96 (valor da compra com acréscimo ICMS)
Se o projeto da “taxa da blusinha” for aprovado definitivamente no Congresso e sancionado, o cálculo será o seguinte:
R$ 200 (valor da compra) + 20% (imposto de importação) = R$ 240 (valor da compra com imposto de importação)
Este valor seria antes da incidência do ICMS. Assim, o custo final seria o seguinte:
R$ 240 (valor da compra com imposto de importação) + 20,48% (ICMS) = R$ 289,26
Ou seja, no fim das contas, com a nova taxação, a blusinha ficaria R$ 48,30 mais cara para o consumidor.
Por que 20,48% de ICMS, e não 17%?
A lei diz que as compras internacionais de varejistas online precisam pagar uma taxa de 17% de ICMS.
Mas no Brasil a alíquota que está na lei não é exatamente o mesmo valor pago pelo contribuinte. Não no caso do ICMS, em que contribuintes sempre acabam pagando mais do que o valor que está na lei, por causa da forma como é calculado o imposto final.
Uma alíquota de 17%, após os cálculos tributários técnicos, vira um imposto de 20,48%.
Esse cálculo técnico é conhecido no jargão dos tributaristas como “ICMS por dentro”, segundo especialistas.
O cálculo técnico é um pouco complicado. O imposto acaba incidindo não em cima do valor do produto, mas em cima do valor do produto já acrescido do próprio imposto.
Se o preço final do produto ao consumidor é de R$ 100, por exemplo, os 17% de ICMS seriam equivalente a R$ 17. Mas se subtraímos os R$ 17 de imposto do preço total, temos R$ 83 do preço do produto sem o imposto. Nesse caso, R$ 17 são justamente 20,48% dos R$ 83.
Isso acontece não só com as mercadorias em discussão. É o caso também das contas de luz, em que a lei estipula uma alíquota de ICMS de 25%, mas — após os cálculos tributários técnicos — os contribuintes acabam pagando 33% de tributo.
Por isso, o ICMS pago efetivamente no caso de uma alíquota de 17% é 20,48%.
Essa questão do “ICMS por dentro” é controversa entre tributaristas, e vários críticos dizem que ela diminui a transparência para os consumidores.
Os argumentos a favor e contra a taxa
A cobrança da taxa de 20% sobre compras de até US$ 50 faz parte do Projeto de Lei (PL) 914/24, que cria o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que prevê incentivos a transportes ecológicos.
Uma emenda foi feita ao projeto Mover para acabar com o programa Remessa Conforme, lançado pelo governo federal no ano passado para organizar o comércio e combater sonegação.
Segundo a Agência Brasil, o fim do Remessa Conforme foi inserido no projeto de lei do Mover pelo deputado federal Átila Lira (PP-PI), mesmo partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Como não há relação entre a emenda que trata da taxa e o tema do projeto de lei, o fim da isenção fiscal é o que se chama, no jargão do Congresso, de “jabuti” legislativo.
O projeto chegou ao Senado na quarta-feira passada (29/5), um dia após ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados.
No Senado, o senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL) retirou a emenda do Mover.
“Se os senhores fizerem uma busca vão encontrar que há pouco mais de nove meses esse foi o assunto do momento. O governo tentou taxar as blusinhas e voltou atrás”, disse Cunha, referindo-se à criação do Remessa Conforme, em entrevista coletiva ao anunciar a retirada da emenda do PL .
“Faz só nove meses. É indispensável que se dê um tempo mínimo para ver se esse programa deu certo. Um assunto como esse tem que ser debatido nas comissões pertinentes.”
Isso gerou uma forte reação de Lira, que pressionou o governo contra a mudança. Por sua vez, o Planalto afirmou que trabalharia pela reinclusão da proposta no Mover.
A Shein, após a aprovação do PL 914/24 na Câmara dos Deputados, chamou a aprovação de “retrocesso”, dizendo que 88% dos clientes da companhia são das classes C, D e E, e fez sua própria simulação dos preços.
“Com o fim da isenção, a carga tributária que recairá sob o consumidor final passará a ser de 44,5%, o que com a isenção se mantinha em torno de 20,82% devido à cobrança do ICMS, no valor de 17%”, disse a empresa.
“Ou seja, um vestido que o consumidor da Shein comprava no site por R$ 81,99 (com ICMS de 17% incluso) agora custará mais de R$ 98 com a nova carga tributária”.
A Shein, muito popular entre os jovens, tem sido criticada por investigações jornalísticas que acusam a marca de trabalhar com fornecedores que violam as leis trabalhistas.
A empresa também recebe críticas pelo seu modelo de negócio fast fashion baseado na produção de um grande volume de peças de vestuário, com muita rotatividade e a preços muito baixos, o que gera um forte impacto ambiental.
Representantes do varejo brasileiro têm se posicionado contra a isenção de imposto para as varejistas internacionais alegando que isso cria um desequilíbrio na concorrência.
Ainda antes do início do Remessa Conforme, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) apresentam ao ministro da Fazenda Fernando Haddad um estudo que estimava até 2,5 milhões de demissões por causa da isenção para empresas de fora do país, segundo a Agência Brasil.
João Eloi Olenike, do IBPT, explica que, se uma varejista brasileira importasse da China a mesma peça vendida por uma varejista digital no Brasil, a empresa nacional pagaria mais impostos que a Shein, como imposto de Importação, ICMS, IPI, Pis e Cofins.
Para as empresas brasileiras, há ainda custos no preço do produto, diz o especialista.
“Previdência Social, FGTS, custos com a folha de salários dos funcionários. É uma concorrência desleal”, diz Olenike.
No entanto, na sua avaliação, a aplicação novo imposto sobre as compras de produtos até US$ 50 de varejistas digitais não acabaria com a diferença de preços.
“Mesmo que taxe 20%, o preço (da Shein) ainda vai sair mais barato que o nosso mercado interno, que tributa a importação, a comercialização, a folha de salários. A nossa tributação para empresas brasileiras é muito alta”, diz Olenike.
Fonte: BBC News Brasil