Todos nós carregamos padrões para os nossos relacionamentos românticos. Algumas pessoas são capazes de lidar com eles de forma saudável e madura, mas muitas outras enfrentam sérios problemas para aceitar o amor em suas vidas.
Você provavelmente já conheceu alguém com a tendência de ‘fugir’ sempre que percebe que o parceiro está realmente investido na relação. Ou uma pessoa que vive com a constante sensação de que será abandonada pelo parceiro.
Padrões como esse são bastante comuns, e podem comprometer a capacidade de uma pessoa de experimentar o amor. Mas qual a origem desses padrões? Que tipos de experiências fazem com que sabotamos a nossa felicidade muitas vezes?
Uma boa maneira de ter respostas sobre esse assunto é através da teoria do apego. Desenvolvida no século passado pelo psicanalista britânico John Bowlby, essa teoria tem como objetivo entender como a separação dos pais afeta o desenvolvimento dos filhos. Até hoje, essa teoria é uma das maiores fontes de conhecimento para compreender as tendências de relacionamento dos seres humanos.
A ideia central da teoria do apego é de que, para se desenvolverem emocional e socialmente de maneira correta, as crianças precisam criar uma relação de apego segura com ao menos um dos seus cuidadores principais.
Isso porque a relação que desenvolvemos com os nossos pais logo no começo de nossas vidas, estabelece um padrão principal que norteia todos os outros relacionamentos que construímos ao longo de nossas vidas.
Essas relações de apego possuem uma influência direta nos esquemas cognitivos ao longo da infância. Ou seja, elas norteiam as expectativas que criamos sobre relacionamentos com nossos parceiros românticos e até mesmo com os nossos filhos.
A teoria do apego passou por evoluções ao longo dos anos. Graças à ela, foram desenvolvidas definições para quatro tipos de apego que todos nós experimentamos, e que se tornaram um tema frequente no estudo e nas conversas sobre o amor.
A seguir, falaremos um pouco sobre cada um deles, mas é importante ter em mente que identificar o seu tipo de apego não algo tão simples como os testes de internet dão a entender. Na realidade, é preciso ter uma compreensão mais profunda de quem realmente é.
Como se dá o apego na infância
O criador de teoria do apego descobriu através de seus estudos que não apenas as crianças, como também outros mamíferos, têm a tendência de evitar a separação dos pais. E esse comportamento tem uma razão evolutiva principal: o fato de que os pais são as figuras que oferecem os cuidados e a proteção de que eles precisam para permanecer vivos durante os seus primeiros momentos de vida.
E a maneira como as crianças se comportam está diretamente ligada à dedicação e disponibilidade dos pais para atender com as suas obrigações. Trazendo essa explicação de uma maneira mais palpável: se uma criança estabelece uma relação de apego saudável com o seu cuidador principal, onde se sente segura, validada e amada, as chances de que ela seja sociável, se comunique com as pessoas à sua volta e explore o mundo são grandes.
Por outro lado, se ela cresce em um ambiente onde os pais estão sempre indisponíveis e não a abastecem com amor, confiança e validação, é bastante provável que ela desenvolva condições como ansiedade, chore muito e procure de todas as formas se aproximar mais do seu cuidador principal, de física quanto
emocional e psicologicamente.
Para comprovar a validade dessa teoria, a psicóloga Mary Ainsworth desenvolveu um experimento onde as crianças de um ano foram separadas de seus pais por um tempo, e as reencontraram em seguida.
Esse experimento recebeu o nome de ‘situação estranha’, e levou à descobertas interessantes. Segundo Ainsworth, aconteceram três reações principais após o afastamento dos pais. A grande maioria das crianças ficaram naturalmente chateadas, mas ao se reunirem com os pais novamente, se recuperaram facilmente.
Outra parte das crianças sentiu um desconforto extremo ao ficarem longe dos pais, e quando os reencontraram, mostraram necessidade de conforto mas também demonstraram que queriam que seus pais fossem punidos de alguma forma por terem as deixado sozinhas.
E um terceiro grupo
Outras se sentiram extremamente desconfortáveis por estarem separadas dos pais e, quando se reuniram com eles, exibiram comportamentos que sugeriam que não só queriam ser consoladas, mas também que os pais fossem punidos por partirem.
E um terceiro grupo de crianças se destacou por praticamente não sentir dor ou incomodo com a separação. Quando reunidas novamente com os pais, essas crianças evitaram contato com eles.
Ao estudar os resultados do experimento, Ainsworth chegou à conclusão de que esses diferentes comportamentos estavam muito relacionados com a forma como os pais e os pequenos conviviam dentro de casa.
As crianças que ficaram chateadas mas foram facilmente consoladas pelos pais tendiam a ter pais estavam atentos às suas necessidades. Já as crianças dos dois últimos grupos frequentemente conviviam com pais que não eram muito atentos aos seus sentimentos ou necessidades. Esses conhecimentos estabeleceram a base para os tipos de apego que estudamos e reconhecemos nos dias de hoje.
Como se dá o apego na vida adulta
Com os conhecimentos trazidos por Bowlby e Ainsworth, a teoria do apego foi novamente estudada, mas dessa vez focando nos adultos.
Os psicólogos que se dedicaram a aprofundar os estudos descobriram que não apenas os relacionamentos com os pais, mas também com os parceiros românticos estão relacionados ao nosso padrão de apego.
Phillip Shaver e Cindy Hazan afirmaram lá em 1987, que o amor romântico é por si só um processo de apego e que cada pessoa o experimenta de forma diferente “devido a variações em suas histórias de apego”.
Com essa descoberta, se tornou ainda mais claro que o padrão de relacionamento com os pais acaba sendo replicado nos relacionamentos românticos, e que por essa razão existiam várias pessoas com históricos nada felizes nas suas investidas amorosas.
Dessa forma, os 3 tipos de apego que Ainsworth identificou na sua experiência (apego ansioso, apego evitativo e apego seguro), também podem ser aplicados em parceiros românticos. Vamos entender um pouco mais sobre cada um deles.
Apego ansioso
As pessoas que apresentam esse tipo de apego são aquelas que investem muito tempo e esforço em conseguir a aprovação de seus parceiros, bem como um nível de intimidade extremamente elevado. Por conta disso, podem se tornar extremamente dependentes da pessoa ao seu lado.
Uma das principais motivações desse tipo de apego é o medo profundo de serem rejeitados e abandonados.
Para lutar contra esse sentimento, elas se esforçam em criar um ambiente de estabilidade e segurança com os seus parceiros.
Quando não conseguem, são dominadas pelo sentimento de afastamento dos parceiros, o que leva a extremos níveis de ansiedade.
Essas pessoas só são consoladas pela atenção e cuidado dos parceiros, e quando isso não acontece, elas podem se apegar ainda mais à outra pessoa ou tomar atitudes com a intenção de puni-los e fazer com que se sintam culpados.
Em resumo, as pessoas com apego ansioso são profundamente apegadas aos seus relacionamentos românticos e estão sempre atentas a todos os cenários, buscando combater qualquer pequena ameaça às suas relações.
Apego evitativo
As pessoas com apego evitativo têm características bastante diferentes. De uma forma geral, essas pessoas enxergam a si mesmas como autossuficientes a nível emocional, e pouco vulneráveis aos efeitos negativos do apego.
Uma das principais características de seu comportamento é evitar intimidade e buscar um alto nível de independência. Elas não acreditam que precisam estar tão próximas assim de outra pessoa. Dessa forma, não sentem a necessidade de manter vínculos íntimos com as pessoas à sua volta, sejam elas quem forem.
Essas pessoas definem o seu valor com base nas suas próprias conquistas e nunca se importam em buscar validação externa. Por serem tão donas de si mesmas, elas frequentemente se sentem ameaçadas quando alguém se aproxima muito delas a nível emocional.
Apego seguro
As pessoas com esse tipo de apego se caracterizam por terem uma boa autoestima, expressar seus sentimentos sem medo e buscar apoio sempre que sentem necessidade.
Elas parecem ter uma personalidade mais estável, sendo capazes de se comunicar de forma saudável, resolver conflitos com tranquilidade e lidarem bem com a proximidade, não se sentindo presas ou ameaçadas.
O apego seguro também é caracterizado pela não dependência de validação externa e liberdade de ficar sozinha.
Apego desorganizado
Esse tipo de apego foi estabelecido anos depois dos três primeiros. As pessoas com esse tipo de apego por vezes manifestam traços de apego evitativo, e por vezes de apego ansioso.
De forma geral, elas não têm clareza completa sobre os seus relacionamentos íntimos, por isso parecem sempre um pouco perdidas em suas atitudes. Ao mesmo tempo em que querem proximidade, essa possibilidade os torna desconfortáveis, e isso causa uma dualidade comportamental constante em suas relações.
Segundo especialistas, o apego desorganizado, evitativo e ansioso são apegos inseguros e que podem complicar a manutenção de relações saudáveis.
Como identificar o próprio tipo de apego
De acordo com especialistas, testes de internet ou apenas avaliação própria não são suficientes para realmente identificar os tipos de apego e de construção de relacionamentos de uma pessoa.
O professor Marinus van IJzerdoorn afirma que é muito mais complicado do que isso, e que a melhor forma é através de abordagem de entrevista, para medir o apego em grupos de adultos.
É importante manter em mente que o tipo de apego não é imutável. Pelo contrário, dependendo das circunstancias da vida de uma pessoa, é perfeitamente possível que o seu tipo de apego mude. Relacionamentos com parceiros, cuidadores ou terapeutas podem mudar as nossas tendências de relacionamentos, tanto para melhor quanto para pior.
Ponto de alerta para os pais
Conforme os experimentos observaram, o nosso padrão de apego é formado logo nos primeiros momentos da vida, entre os seis meses aos dois anos. E mesmo que esse padrão possa ser transformado ao longo da vida, essa informação é valiosa para orientar os pais sobre o tipo de relação que devem criar com os seus filhos.
De acordo com os especialistas, os pais devem construir a relação com os filhos de forma segura, estável e compartilhada, para que eles tenham padrões saudáveis até a vida adulta.
Quando as crianças crescem em ambientes livres, seguros e com os devidos cuidados, se tornam adultos mais confiantes e livres para criar relações positivas e saudáveis.
Portanto, se você já tem filhos ou está pensando em começar a tê-los, anote o recado: coloque como prioridade estar disponível e presente para atender às suas necessidades, compartilhar de seus interesses validar as suas emoções, e proporcionar uma convivência saudável. Isso vai ajudá-los a desenvolver um apego seguro na infância, direcionando-os no caminho de relacionamentos mais felizes e completos.
E embora muitos outros fatores também contribuam para uma vida feliz e segura, a teoria do apego é uma forma de compreendermos mais sobre quem realmente somos, a forma como agimos, e como podemos melhorar as nossas relações.
*Luiza Fletcher