Quando assistimos estarrecidas feminicídios com extremas violências, mulheres submetidas a cárcere privado, agressões verbais, ataques psicológicos, perseguições políticas e pelas mídias sociais, a lista não pára de crescer, misoginia… meu Deus…
Refletindo que a discriminação contra as mulheres ainda é tão gritante e recorrente, o mais urgente para ser enfrentado pelas mulheres é o combate ao feminicídio e as violências física, psicológica e patrimonial.
Verdadeira pandemia, posto que é a fratura mais exposta e grave dos temas de gênero na contemporaneidade, especialmente no Brasil.
E se percebe que o enfrentamento a esses temas perpassa pela independência econômica da mulher.
Nesse sentido, além de fatores socioeducacionais, outro importante é a igualdade salarial, discriminações no campo laboral e o que dizer do teto de vidro.
O teto de vidro merece um parágrafo especial. Pois após vencer as barreiras de gênero impostas pela sociedade e alcançar enfim o cargo ou função almejados, a mulher se depara com novos desafios que nem sempre aparentes limitam sua atuação e o exercício eficiente da função.
Enfrentamos diariamente a misoginia; o feminicídio; a falta de isonomia com os homens nos espaços privado e público; e a falta de amparo no exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.
Além disso, há toda uma série de interseccionalidades que atravessam as realidades de cada uma de nós. As mulheres são negras, ricas, trans, portadoras de deficiências, brancas, pobres, indígenas, etc, etc…
Cada uma de nós tem suas pautas prioritárias, a depender da posição e situação das nossas vidas.
Na civilização ocidental, todavia, há um poder que atravessa toda a sociedade e nos atinge a todas. É este mesmo que nos aprisiona ao espaço doméstico e nos reserva os papéis de mães e de cuidadoras, enquanto deixa para o homem o papel de provedor, no espaço público; é o que afirma não termos capacidade de exercer a liderança, pois esta seria uma característica masculina; e é o que nos reduz ao próprio corpo, o qual se torna objeto de apropriação por nossos companheiros ou parentes, que nos impõem regulações sobre o que devemos vestir, ou como devemos nos comportar.
Esse poder também aprisiona os homens. Impede-os de exprimir seus sentimentos, de chorar diante da alegria ou da perda; força-os a um chamado “comportamento viril” que tende a embrutecê-los; e os afasta do exercício de uma parentalidade plena e acolhedora.
Estes são os efeitos do patriarcado, poder que dita as relações de gênero em nossa sociedade. É ele que normatiza o que as mulheres e homens devem ser e viver.
É por meio desse discurso que como mulheres somos mortas e violentadas; e somos tratadas como “o outro” do sexo masculino, como afirmou Simone de Beauvoir.
A superação dos efeitos desse poder passa por uma nova pedagogia. Um novo aprendizado não restrito às escolas, mas aberto a todos.
Diria que se trata de algo que se encontra no contexto da “desconstrução”, como pregou o filósofo Jacques Derrida. Ou seja, uma luta de todos para revisitarmos as bases da cultura ocidental e fundamentá-la em novos termos.
É uma utopia? Sim, admito. Contudo, se não a tivermos em mente, não avançaremos a partir de onde estamos.
O Dia Internacional da Mulher, Agosto Lilás, 16 dias de ativismo, são épocas marcadas pela finalidade de conscientizar a todos, não só as mulheres, de que essa situação de absoluta disparidade precisa ser eliminada.
Penso que a única forma de se chegar a isso, a médio prazo, é com a educação e de forma imediata e urgente é preciso aumentar, e muito, o número de políticas públicas.
A violência doméstica, sem dúvida nenhuma, é o crime que mais se comete neste país. A necessidade de reverter este quadro é fundamental.
E se precisamos mais e mais conscientizar as mulheres sobre a importância de denunciar a violência, igualmente é necessário que os homens aprendam que as mulheres não são objeto de sua propriedade.
O desafio para as mulheres, em pleno século XXI continua sendo o mesmo: enfrentar a violência de gênero e a discriminação.
Estas duas questões são enfrentadas há décadas pelas mulheres no Brasil e, apesar de avanços, ainda colocam em risco a vida feminina e também a sua colocação na sociedade.
Não podemos admitir que ainda morram mulheres vítimas de violência doméstica ou de discriminação de gênero, assim como não podemos aceitar que mulheres e homens na mesma posição profissional tenham salários diferentes.
Essa duas situações são marcas características de uma sociedade historicamente desigual e que ainda precisa dar passos importantes na luta contra o patriarcado.
Precisamos que nossos representantes estejam alinhados com uma pauta de inclusão, de proteção e de respeito à mulher e precisamos punir qualquer tipo de violência contra qualquer uma de nós.
Apesar de maioria no Brasil (quase 5 milhões a mais que os homens, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), vários são os desafios a serem enfrentados pelas mulheres ainda devido às dificuldades causadas não só em função de gênero, mas também em função da raça.
Tais como: assédio; falta de oportunidades; desigualdades salariais; baixa representatividade política; menor presença em cargos de poder; maioria na chefia das famílias; saúde mental e violência de todos os níveis, principalmente o feminicídio.
O machismo se encontra evidente nas dificuldades mencionadas e o racismo se encontra implícito, quando analisadas essas dificuldades por uma perspectiva racial. Em quase todas as dificuldades que a mulher passa, majoritariamente se encontra a mulher negra.
Por exemplo:
1) Na educação 5,2% das mulheres negras alcançam o ensino superior, enquanto as brancas 18,2%.
2) Quanto mais alto o cargo, menor a presença feminina, ainda mais negra. Enquanto há 62% de homens brancos na alta liderança (C-Suite), há apenas 20% de mulheres brancas. De homens negros, há 13%, e o percentual de mulheres negras é ainda mais baixo, atingindo apenas4% – relatório “Women in the Workplace 2021”, da consultoria McKinsey.
3) Nas famílias em que a mulher está à frente do lar e com filhos, mais de 67% são negras (IBGE/2021), que criam seus filhos sem rede de apoio, em que a maior preocupação ainda é a inflação sobre os alimentos.
4) De acordo com o levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021), 62% das vítimas de feminicídio no Brasil são negras. E quando falamos das vítimas de outros tipos de assassinatos violentos, esse índice passa dos 70%.
Diante de todas as dificuldades, o maior desafio de uma mulher, hoje, é se manter viva. A forma de superar esse desafio é por meio da promoção de políticas públicas que visam a extinção do racismo e do machismo – os maiores venenos que entremeiam e danificam a nossa sociedade.
É necessária a promoção de políticas efetivas que garantam o acesso aos direitos sociais, políticos, econômicos, culturais, salutares e ambientais para todas as mulheres. Somos nós que mantemos essa sociedade e precisamos viver, sem medo de ser feliz!
Dra. Iacita Azamor Pionti
Advogada e superintendente da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande-MS