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‘O fogo parece estar dentro de casa, é difícil respirar’: o impacto da fumaça das queimadas na saúde

Imagem de drone mostra Ribeirão Preto coberta por fumaça de incêndios

“Moro aqui há 32 anos, e nunca, considerando todas as queimadas que já ocorreram na região, vivemos algo como o que estamos enfrentando agora”, conta Cristina Aparecida Nardo, de 60 anos, residente de Ribeirão Preto (SP).

A fumaça provocada pelos incêndios tem coberto dezenas de cidades em várias regiões do Brasil nos últimos dias.

Neste domingo (25/8), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou em suas redes sociais haver indícios de que as queimadas pode estar sendo provocadas e disse que a Polícia Federal vai investigar o caso.

“Não há, até agora, nenhum incêndio detectado por causas naturais. Significa que tem gente colocando fogo de maneira ilegal”, afirmou o presidente no X.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse também no domingo que os incêndios registrados no interior de São Paulo são atípicos e precisam ser investigados. Ela comparou a situação atual com o “Dia do Fogo”, quando produtores rurais do Pará realizaram através de uma ação conjunta uma série de incêndios na Amazônia, em agosto de 2019.

“Tem uma situação atípica. Você começa a ter em uma semana, praticamente em dois dias, vários municípios queimando ao mesmo tempo. Isso não faz parte da nossa curva de experiência na nossa trajetória de tantos anos de abordagem do fogo”, disse Marina, segundo o portal G1.

“Do mesmo jeito que nós tivemos o ‘dia do fogo’, há uma forte suspeita de que agora esteja acontecendo de novo”, afirmou.

Em São Paulo, a situação se agravou na última sexta-feira (23/8), quando o Estado registrou 1.886 focos de queimadas — mais dos que os 1.666 registrados durante todo o ano passado. Em relação ao mesmo mês no ano passado, o aumento foi de mais de 880%. 

Dois funcionários de uma usina em Urupês, região metropolitana de São José do Rio Preto, morreram enquanto combatiam as chamas.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (Inpe) informa que o Brasil registra 4.928 focos de calor. 

Isso significa que apenas o Estado de São Paulo respondeu por 38% de todas as queimadas do país, conforme mostra comparativo feito pela empresa de meteorologia MetSul. 

Segundo informações da Secretaria do Estado divulgadas no domingo (25/8), 46 municípios estão sendo monitorados e estão em alerta máximo para queimadas.

“A fumaça vêm sendo transportadas pelos ventos. A condição de tempo seco nos últimos dias, somada ao efeito de aproximação de uma frente fria, que alinha os ventos de noroeste para sudeste e os deixa mais intensos, têm favorecido a propagação e proliferação de queimadas, bem como dificultam qualquer tentativa de combate”, explica Ana Avila, meteorologista e pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Estamos em um ano em que as chuvas estão abaixo da média, o que significa que há menos umidade disponível para a vegetação, e os clima fica mais quente. Com essas condições o fogo se alastra rapidamente, mas o maior responsável por esse expressivo número de queimadas é o ser humano.”

‘Passei muito mal’

Cristina, moradora de Ribeirão Preto que trabalha no ramo imobiliário, sofre de asma e conta que a qualidade do ar piorou muito desde os incêndios começaram.

As queimadas liberam substâncias tóxicas que irritam as narinas, olhos e garganta, além de atravessarem as células pulmonares e entrarem na circulação sanguínea. 

Dessa forma, são distribuídas por todo o corpo, causando inflamação, especialmente em pessoas com problemas de saúde preexistentes.

“Nunca vivi algo tão aterrorizante. Havia tanta cinza e fuligem dentro dos apartamentos… Mesmo com tudo fechado. Falei para minha filha: ‘Parece que o fogo está aqui dentro’. É difícil respirar”.

“Tive que colocar um vaporizador ao meu lado durante a noite, e minha bombinha ficou debaixo do travesseiro. Usei bastante. É um remédio que eu pego na farmácia pela Farmácia Popular, e que peguei semana passada, mas já está quase acabando”, diz ela.

“Passei muito mal, e sei que muitas pessoas estão internadas por causa da qualidade do ar.”

Imagens no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE mostram que dez Estados brasileiros enfrentam uma acentuada piora na qualidade do ar devido a queimadas na Amazônia. Alguns, como é o caso de São Paulo, têm focos de incêndios próprios, o que agrava a situação.

O MetSul descreve que uma massa de ar seco e extremamente quente atuou no centro do Brasil na última semana e favoreceu temperaturas muito altas ainda no Sul e no Norte do Brasil com marcas perto e acima de 40ºC em vários Estados.

“O tempo seco e quente contribuiu para um salto no número de queimadas, como se dá todos os anos nesta época que marca o auge da estação seca no centro do Brasil, mas a explosão de queimadas verificada em São Paulo não pode ser explicada apenas pelo clima e tem origem humana, o que deverá ser investigado pelas autoridades”, diz o informe.

São Paulo já registra chuvas em várias regiões, pela chegada de uma frente fria que colaborou para cessar a maioria dos focos de fogo no território do Estado. 

Os ventos que acompanham a frente fria, no entanto, levaram a fumaça de queimadas para Goiás, Distrito Federal e Minas Gerais.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou, em coletiva de imprensa, que foi criado um plano emergencial para ampliar a capacidade de atendimento das unidades de saúde na região de Ribeirão Preto. 

Coordenado pela Secretaria de Estado da Saúde e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP), o pacote de ações apresentado aos 26 municípios da região prevê a ampliação dos serviços de telemedicina, com médicos do HC que ficarão disponíveis 24h por dia para orientar as equipes de saúde e encaminhar os casos mais graves para hospitais de referência.

Ainda no sábado, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que o evento extremo em São Paulo é mais “uma emergência climática enfrentada pelo país” e afirmou ter conversado com o governador e acertado o envio de aviões para combater os incêndios.

“O governo federal, por meio do Ministério da Defesa, também está enviando aviões para combater o fogo. É importantíssima a decisão do governador de montar uma sala de situação e mobilizar todos os recursos do governo estadual”, disse Marina.

Uma área afetada por incêndios florestais é retratada próximo à rodovia SP-215 em São Carlos, no Estado de São Paulo, em 23 de agosto
Área afetada por incêndios florestais próximo à rodovia SP-215 em São Carlos (SP)

Efeitos nocivos à saúde 

As queimadas liberam substâncias perigosas para a saúde humana e animal. 

De acordo com pneumologistas consultados pela BBC News Brasil, a fumaça contém materiais tóxicos, como dioxinas e metais pesados, além de partículas finas que podem ser inaladas, causando problemas respiratórios graves, sobretudo para quem já tem doenças pré-existentes. 

Gases tóxicos, como monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio, também são liberados, aumentando o risco e agravando doenças pulmonares e cardiovasculares. 

Os poluentes podem se espalhar por grandes distâncias, impactando a saúde em regiões distantes de onde os incêndios ocorreram.

“As partículas finas e os elementos químicos presentes na poluição ultrapassam as células pulmonares [alvéolos] e entram na circulação sanguínea, sendo distribuídos por todo o corpo. Isso causa inflamação nos vasos sanguíneos, aumentando o risco de pressão alta, arritmias e até infarto agudo do miocárdio”, afirma Mauro Gomes, pneumologista e membro do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).

“Portanto, a poluição prejudica não apenas os pulmões, mas também o coração e a circulação”, segue Gomes.

Quanto mais próxima de pessoas que estiverem no centro de queima, maior o risco de inalação.

“Pessoas com doenças crônicas, como asma, bronquite, enfisema, rinite, rinossinusite ou problemas cardiovasculares, são especialmente vulneráveis à inalação de fumaça. É crucial monitorar esses grupos nas semanas e meses seguintes, pois os efeitos inflamatórios podem surgir com atraso, agravando outras condições crônicas”, explica Ubiratan Santos, pneumologista e membro da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).

Mas quem não tem doenças subjacentes também pode sofrer os efeitos, que incluem olhos vermelhos e irritação nos olhos, nariz e garganta.

Os especialistas aconselham evitar a exposição desnecessária à fumaça, ficando em ambiente fechado quando possível, e ao sair na rua, usar máscara (especialmente o modelo N95, que se tornou popular durante a pandemia de covid, por sua capacidade de filtrar partículas finas).

“Em relação à proteção em casa, as janelas e portas devem ficar fechadas, e mesmo assim pode ser difícil impedir completamente a entrada de ar poluído, especialmente se houver frestas”, afirma Gomes.

O médico recomenda usar umidificador, ou, na falta do acessório, bacias de água e panos molhados pela casa. Outras recomendações para quem mora em áreas afetadas estão listadas abaixo.

Um homem observa um incêndio em uma plantação de cana-de-açúcar perto da cidade de Dumont, Brasil
Um homem observa um incêndio em uma plantação de cana-de-açúcar perto da cidade de Dumont

Recomendações para a saúde

Autoridades de São Paulo oferece recomendações de saúde e segurança (veja abaixo) que valem para todas as localidades do país em caso de contato com fumaça de incêndios:

  • Pacientes com asma, DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) e rinite alérgica devem manter o tratamento regular com sua medicação inalatória (bombinhas);
  • Quem não faz uso frequente, deve utilizar a bombinha regularmente, neste momento, para o tratamento para asma ou rinite, antes dos sintomas se agravarem;
  • Obter medicação usada em quadros críticos anteriores e utilizar o mais cedo possível, caso iniciem sintomas respiratórios;
  • Se possível, não sair de casa. Vedar portas e janelas;
  • Se precisar sair de casa, usar máscara, preferencialmente, PFF2/N95;
  • Evitar locais com grande concentração de fumaça. A fumaça é tóxica e pode causar problemas respiratórios imediatamente;
  • Quem tiver contato direto próximo a áreas de queimada, se apresentar sintomas respiratórios como falta de ar, chiado no peito, tonturas, dor de cabeça, procurar atendimento médico;
  • Beber água. A hidratação é muito importante para a via aérea. Atenção especial com crianças e idosos, pelo maior risco de desidratação;
  • Lavar o nariz e olhos com soro fisiológico;
  • Umidificadores podem ser usados, mas precisam ser limpos diariamente. Usar toalhas molhadas e bacias com água, caso não tenha umidificador em casa;
  • Suspender a prática de atividade física ao ar livre nos próximos dias.

Orientações gerais à população

  • Ao avistar um foco de incêndio ou fumaça densa, saia imediatamente da área e busque abrigo seguro. Informe o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil;
  • Redobre a atenção ao dirigir;
  • Evite atravessar áreas com cortinas de fumaça e fogo. Caso seja inevitável, reduza a velocidade, mantenha os faróis baixos acesos e uma distância segura do veículo à frente;
  • Evite se deslocar pelas rodovias e rotas com interdições. Se for necessário, busque rotas alternativas seguras;
  • Não solte balões. Balões que usam fogo podem provocar incêndios florestais;
  • Evite acender fogueiras, especialmente próximo às matas e florestas;
  • Não utilizar o fogo para fazer limpeza de terrenos ou queimar lixo. Faça descarte adequado de seus resíduos;
  • Queimas controladas devem ser feitas somente em período permitido e com autorização da autoridade local responsável;
  • Em propriedades rurais, construa e mantenha aceiros limpos para evitar a propagação do fogo, principalmente próximo às estradas e rodovias e às áreas florestais.

Fonte: BBC

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