A morte do empresário Henrique Silva Chagas, de 27 anos, após passar por um procedimento de peeling de fenol em uma clínica de estética de São Paulo, expôs os perigos da técnica sem o acompanhamento médico devido.
O fenol é uma substância química cáustica, utilizada por dermatologistas em peelings químicos profundos para tratar rugas, manchas na pele e cicatrizes.
Seu uso inadequado, no entanto, pode acarretar graves consequências, como queimaduras, intoxicação e até mesmo a morte.
O uso da substância é contraindicado para pessoas com problemas cardíacos, no fígado ou rim, para quem tem tendência a queloides, mulheres gestantes e lactantes, fumantes e para quem está fazendo uso de alguns medicamentos como antidepressivos, anticonvulsivantes e para pressão arterial.
Apesar dos riscos, compostos para se fazer o peeling de fenol em casa são facilmente encontrados à venda na internet.
Em uma simples busca é possível encontrar diversos anúncios de venda em sites como Mercado Livre e Shopee sem qualquer exigência de prescrição médica.
“Devido aos riscos, apenas profissionais com receita e autorização para fazer o procedimento podem comprar. As farmácias, por exemplo, precisam justificar à Anvisa sobre a quantidade de substância que foi comprada e vendida. Não é um produto que pode ser vendido livremente”, explica Felipe Ribeiro da Silva, dermatologista da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e coordenador científico e educacional da IPS – International Peeling Society.
Além da venda sem restrição na internet, os anunciantes afirmam que a porcentagem de fenol contida no produto para uso caseiro é de 80%, concentração muito acima da usada pelos dermatologistas, que é de, em média, 35%, segundo da Silva.
A concentração de fenol usado para o peeling pode ter uma pequena variação de acordo com cada tipo de pele. Cabe ao dermatologista fazer a avaliação caso a caso.
Em nota, o Mercado Livre explicou que proíbe a venda desses tipos de produtos, que exclui o anúncio quando identificado e o vendedor é notificado, podendo até mesmo ser banido da plataforma.
“A empresa informa que trabalha de forma incansável para combater o mau uso da sua plataforma, a partir da adoção de tecnologia e de equipes que também realizam buscas manuais. Além disso, atua rapidamente diante de denúncias, que podem ser feitas por qualquer usuário, por meio do botão ‘denunciar’ presente em todos os anúncios, ou por empresas que integram o seu programa de proteção à propriedade intelectual.”
Já a Shopee não se manifestou sobre a situação.
Além das postagens de venda do produto, vídeos que dão “dicas” de como fazer o procedimento em casa e grupos para trocar experiências sobre o uso caseiro do “peeling de fenol” e onde adquiri-los também são facilmente encontrados nas redes sociais.
A reportagem identificou esse tipo de conteúdo nas plataformas: YouTube, TikTok e Facebook. Todas foram procuradas pela BBC News Brasil, porém não se manifestaram.
A fiscalização da comercialização do fenol para uso na área de saúde é de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em nota, o órgão explicou que está adotando ações para retirada de anúncios irregulares relativos ao fenol da internet.
“Entende-se que o fenol é um produto sujeito à vigilância sanitária, e que o seu uso para finalidade estética (peeling) é profissional. Portanto, o produto não pode ser comercializado pela internet. A Anvisa dispõe de um projeto piloto, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), denominado Epinet, que monitora anúncios de produtos irregulares comercializados na internet (e-commerce), com o objetivo de reduzir as irregularidades no setor de vendas de produtos sujeitos à vigilância sanitária pela internet.”
A agência enfatizou ainda que o uso de fenol é proibido em produtos cosméticos industrializados.
Caso haja indicação de esfoliante “peeling” químico na rotulagem do produto fenol, puro ou associado com outros ingredientes, o produto é irregular. Porém, há exceção para produtos manipulados.
“Cosméticos manipulados não têm de seguir a regulamentação dos cosméticos industrializados, mas nesse caso a responsabilidade pela formulação é inteiramente do profissional de saúde que a prescreve”, explicou.
Muita dor e pele manchada
A expectativa de uma pele mais lisa e o preço acessível atraíram a atenção da microempreendedora C.F.G, de 56 anos, que encontrou um anúncio sobre “o peeling de fenol caseiro” enquanto navegava pelas redes sociais.
Sem saber dos riscos do uso inadequado do produto, ela comprou e aplicou em casa.
“Eu li os comentários e tinha mais de cem pessoas falando coisas positivas sobre o uso e os resultados pareciam muito bons. Apliquei como eles ensinavam e na hora senti uma dor absurda, como se estivessem queimando o meu rosto”, recorda.
A microempreendedora conta que não conseguiu permanecer com o produto no rosto e lavou minutos após a aplicação. Porém, manchas na pele apareceram.
“Acabou com a minha pele. Fiquei cheia de manchas nas laterais do rosto, coisa que eu não tinha. Precisei ir em um dermatologista e fazer procedimentos a laser para removê-las. A experiência foi péssima e ainda gastei muito”, acrescenta.
As complicações que a microempreendedora teve devido ao uso inadequado do fenol é apenas uma pequena parte dos riscos do procedimento.
Especialistas alertam que o peeling de fenol feito em casa pode causar queimaduras graves, infecções e cicatrizes permanentes.
Em casos mais graves, o uso do produto pode ocasionar arritmia cardíaca e até mesmo intoxicação levando a pessoa à morte.
“O fenol é um produto químico de rápida absorção pela pele. Isso faz com que logo nos primeiros segundos após a aplicação ele caia na corrente sanguínea e vá para o coração e outros órgãos. Por isso o uso dele requer diversos cuidados”, explica Alexandre Kataoka, cirurgião plástico e coordenador do departamento de Comunicação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
Procedimento deve ser feito em ambiente hospitalar
O peeling de fenol pode ser feito apenas por dermatologistas em hospitais ou clínicas.
No entanto, no caso de realização em clínica, além da condução por médico, é necessário que ela tenha equipamentos de monitoramento de sinais vitais e de primeiros socorros — o que caracteriza o espaço como ambiente hospitalar.
Na tentativa de impedir a comercialização indiscriminada do produto e desse tipo de procedimento, o Conselho Federal de Medicina (CFM) cobrou providências da Anvisa para coibir abusos e irregularidades nesta área.
Para a autarquia médica, a Anvisa com o apoio das vigilâncias estaduais e municipais, precisa intensificar a fiscalização aos estabelecimentos que vendem e também àqueles locais e pessoas que prestam esse tipo de serviço sem atenderem aos critérios.
“É preciso ter mais rigor na venda do produto já que seu uso de maneira irregular e sem seguir os critérios médicos representa risco à saúde da população. Hoje, as pessoas estão tendo acesso ao fenol por falta de fiscalização”, disse a conselheira Rosylane Rocha, 2ª vice-presidente do CFM.
O que fazer antes de se submeter ao peeling de fenol?
- Profissional habilitado: pesquise e busque por um profissional que seja dermatologista e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Analise a reputação e, se possível, converse com outros pacientes para saber como foi a experiência;
- Informe-se sobre o procedimento: pergunte e tire todas as suas dúvidas com o dermatologista sobre os riscos, benefícios, cuidados pré e pós-procedimento;
- Fale sobre sua saúde: informe ao médico sobre qualquer problema de saúde que você tenha, alergias ou medicamentos que esteja tomando;
- Exames pré-operatórios: siga as orientações do dermatologista para realizar os exames laboratoriais e cardíacos necessários antes de realizar o procedimento.
Foto destaque: G1
Fonte: BBC News Brasil