A biomédica Sandra Martins, de Campinas (SP), tomou uma decisão que mudou para sempre a vida de um amigo distante. Ela doou um rim a Rafael Paulino, morador de Nova Jersey, nos Estados Unidos, com quem mantinha contato desde 2019 por meio de um aplicativo de conversação criado para a prática de idiomas.
Sandra buscava aprimorar o inglês, enquanto Rafael estava aprendendo português, e dali nasceu uma amizade que foi além das telas.
Em 2021, Rafael foi diagnosticado com Glomeruloesclerose Segmentar e Focal (GESF), doença grave que compromete a função renal e pode levar à falência dos rins. Quatro anos depois, o quadro havia evoluído para estágio terminal, e ele relatava sentir-se “extremamente fraco e cansado o tempo inteiro”.
“Eu nunca conheci alguém que tivesse doado um órgão. Não sei explicar o que leva uma pessoa a tomar essa decisão, mas me coloquei no lugar do Rafael. Se fosse alguém da minha família, se fosse um filho meu, eu gostaria que alguém fizesse isso por mim?”, recorda Sandra.

Da conversa virtual ao gesto real
Quando soube que Sandra pensava em ser doadora, Rafael ficou surpreso. Em troca de mensagens, ele afirmou sentir-se “feliz por saber que ainda existem pessoas com boas intenções neste mundo”.
A decisão foi confirmada em uma ligação telefônica, quando ela pediu que ele a chamasse imediatamente.
“Ele ficou calado por alguns instantes e depois perguntou: ‘Você quer fazer o teste?’. Eu disse sim. Depois ele contou que levou dias para assimilar a ideia. Ficava se perguntando: ‘Como alguém que conheci em um chat pode fazer algo assim?’”, relembrou Sandra.
Em janeiro de 2025, a biomédica viajou aos Estados Unidos para realizar o exame de histocompatibilidade, essencial para transplantes. Dez dias depois, retornou ao Brasil aguardando o resultado. Em fevereiro, recebeu a confirmação da compatibilidade e se emocionou.
“Na minha cabeça não existia um ‘não’. Quando recebi o e-mail dizendo que era compatível, chorei de alegria”, contou. Em maio, ela retornou a Nova Jersey, onde permaneceu 45 dias para acompanhar todo o processo cirúrgico.
Aspectos legais da doação
Antes da viagem, Sandra buscou informações sobre os trâmites legais. Segundo o Ministério da Saúde, a legislação brasileira não se aplica quando o transplante é feito em outro país. Nos Estados Unidos, a legislação é mais flexível: em Nova York, qualquer pessoa com mais de 16 anos pode doar para familiares, amigos ou até desconhecidos.
No Brasil, porém, a doação de órgãos para estrangeiros não residentes só é permitida se houver laço de parentesco consanguíneo até o quarto grau ou vínculo matrimonial.

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Durante todo o processo, Sandra contou com o apoio de Rafael e de sua família, que custearam passagens e despesas médicas por meio do plano de saúde dele. Além disso, foi acolhida na casa dos parentes do amigo.
“A família dele me tem como filha. Essa doação estreitou muito nossa relação. Hoje sou próxima dos pais dele, da irmã, do irmão, de todos”, afirmou Sandra.
Nova vida e inspiração
Após a cirurgia, a biomédica retornou ao Brasil recuperada e com uma nova visão sobre solidariedade. Ela iniciou a escrita de um livro para relatar sua experiência nos Estados Unidos, com a intenção de conscientizar mais pessoas sobre a importância da doação de órgãos.
“Doar um órgão não é perder uma vida, é ganhar outra. Quando você faz isso, tira alguém da fila de transplante, da hemodiálise, dá de volta a chance de viver”, destacou.
Sandra acredita que sua atitude trouxe aprendizado para ela e também para os filhos.
“Acho que me tornei mais humana. Ensinei aos meus filhos que doar, seja um órgão, seja tempo ou uma atitude que ajuda alguém, nos torna mais úteis e traz felicidade”, concluiu.
O Segredo





