A traição é um tema que desperta sentimentos intensos e controversos. Normalmente, associamos o ato a casos de infidelidade conjugal, mas, para a psicanalista e escritora Regina Navarro, o conceito vai muito além da esfera sexual.
Segundo ela, a traição não se limita a questões de fidelidade entre parceiros amorosos, mas pode englobar situações em que alguém prejudica outra pessoa de maneira significativa, como causar danos financeiros ou provocar outros tipos de prejuízos emocionais ou materiais.
Para Navarro, a traição é um comportamento complexo, que pode ser influenciado por fatores sociais, emocionais e até genéticos.
A visão de que trair é exclusivamente uma falha de caráter ignora a multiplicidade de gatilhos e contextos que podem levar alguém a agir dessa forma. Além disso, é preciso levar em consideração que a perspectiva sobre o que constitui traição pode variar de pessoa para pessoa, dependendo das expectativas e valores individuais.
O debate sobre o perdão em casos de traição também é um ponto de divergência. Enquanto algumas pessoas consideram o ato imperdoável, outras buscam compreender os motivos por trás da infidelidade antes de tomar uma decisão definitiva.
Para lidar com o assunto de maneira saudável, é fundamental abrir espaço para o diálogo e a reflexão, evitando julgamentos precipitados.
Gatilhos que podem levar à infidelidade
Genética: um fator inesperado
Embora pareça surpreendente, a genética pode ter um papel relevante no comportamento de traição. Um estudo realizado por cientistas da Universidade de Queensland, na Austrália, e publicado em 2014 no periódico Evolution and Human Behavior, revelou que variações genéticas podem influenciar a propensão à infidelidade.
De acordo com os resultados, 63% das variações de comportamento promíscuo nos homens estavam ligadas a características genéticas, enquanto para as mulheres esse número foi de 40%.
Essas descobertas não significam que a traição seja inevitável para quem possui tais predisposições genéticas, mas sim que fatores biológicos podem interagir com aspectos emocionais e sociais, tornando algumas pessoas mais vulneráveis a comportamentos infiéis. Ainda assim, é essencial lembrar que o controle sobre as próprias escolhas continua sendo um fator determinante.
Relacionamento falido: quando a química desaparece
Quando a “química” entre o casal não está mais saudável ou satisfatória, a busca por satisfação fora da relação pode se tornar uma alternativa para algumas pessoas. A desconexão emocional e a ausência de diálogo abrem espaço para carências que podem ser supridas por terceiros.
Porém, especialistas alertam que fugir da responsabilidade de enfrentar problemas conjugais acaba gerando um ciclo de dor e ressentimento. O ideal é abordar as dificuldades com transparência, buscando maneiras de revitalizar a conexão antes que a infidelidade se torne uma opção.
Atração por outras pessoas: um desejo natural
É perfeitamente normal sentir atração por outras pessoas, mesmo quando se está em um relacionamento comprometido. O problema não está no desejo em si, mas no ato de consumá-lo. A psicóloga Vanessa Karam destaca que, em alguns casos, pensamentos recorrentes sobre terceiros podem indicar que o relacionamento está em crise.
É importante avaliar a frequência e o contexto desses desejos para entender o que realmente está acontecendo no relacionamento atual. Às vezes, essas reflexões podem ajudar o casal a identificar pontos que precisam ser trabalhados em conjunto, fortalecendo a relação ao invés de rompê-la.
Questões de gênero e machismo: influências culturais e históricas
Historicamente, o comportamento masculino em relação à traição sempre foi tratado com maior permissividade. A psicanalista Regina Navarro aponta que, ao longo dos séculos, os homens não foram cobrados a manter exclusividade sexual, o que contribui para o fato de trairem com mais frequência que as mulheres.
Um estudo realizado pela USP em 2016 confirma essa percepção, demonstrando que os homens traem mais que as mulheres em diversas faixas etárias e contextos sociais.
Essa diferença de comportamento não se deve apenas a questões biológicas, mas também a construções sociais que reforçam a liberdade sexual masculina enquanto reprimem os desejos femininos. Entender essas dinâmicas pode ajudar a desconstruir preconceitos e promover um debate mais equilibrado sobre o tema.
Falta de empatia e vínculo: um abismo emocional
A perda da conexão emocional e a diminuição do vínculo afetivo podem levar à traição como uma tentativa de preencher um vazio. Quando a relação perde a intimidade e a confiança, buscar outra pessoa pode parecer uma solução rápida para suprir a carência.
Contudo, especialistas reforçam que a traição não resolve os problemas subjacentes e pode agravar ainda mais as dores emocionais de ambas as partes.
É algo imperdoável? Converse e reflita
Para muitos, a traição é vista como um ato imperdoável, enquanto para outros ela pode ser reconsiderada dependendo do contexto e do arrependimento envolvido.
Segundo a psicóloga Vanessa Karam, abrir espaço para o diálogo é essencial para entender os sentimentos de ambos os lados. É importante alinhar expectativas e compreender que cada casal possui sua própria dinâmica e limites.
“As pessoas se preocupam demais com a traição, mas ninguém deve controlar o outro, pois isso é uma ilusão”, afirma Regina Navarro.
O caminho para o perdão ou para o rompimento é pessoal e deve ser construído com base na honestidade e no autoconhecimento. Refletir sobre perguntas como “qual é o meu objetivo nesse relacionamento?” e “como posso validar meus sentimentos?” ajuda a lidar com as dores de forma mais madura e equilibrada.
Se optar por permanecer na relação, é importante não alimentar pensamentos negativos ou criar fantasias sobre novas traições, pois isso só prejudica a convivência e a reconstrução da confiança. Já para aqueles que decidem encerrar o relacionamento, buscar apoio psicológico pode ser fundamental para superar traumas e recuperar a autoestima.
Reflexão e aprendizado
A traição, embora dolorosa, também pode ser uma oportunidade de aprendizado e transformação pessoal. Seja optando pelo perdão ou pelo afastamento, é essencial buscar o equilíbrio emocional e não permitir que as mágoas definam futuros relacionamentos.
Reconhecer os próprios sentimentos, encarar a realidade com maturidade e, quando necessário, procurar suporte profissional são passos fundamentais para seguir em frente de maneira saudável.
O Segredo