Essa semana acompanhamos a luta travada entre um ribeirinho chamado Agenor Tupinambá e o Ibama pela posse da Capivara Filó. A disputa gerou comoção nacional e suscitou menções de repúdio à atividade estatal tanto na Câmara Federal quanto na Câmara Estadual do Amazonas.
Filó ficou ilustre no aplicativo de vídeos TikTok por ter sido resgatada da morte ainda bebê por Agenor e ter ganhado status de melhor amiga do rapaz de 25 anos que havia tentado, no ano anterior, tirar a própria vida.
Agenor Tupinambá é um rapaz de origem pobre que vive em uma palafita em um açude cercado de mata, que cometeu um único erro: exibir um animal silvestre em uma convivência completamente harmônica consigo entre banhos de açude e de balde, e sonecas no sofá, além de vestuário bem humorado. Agenor personificou um roedor a quem ninguém atribui importância, transformando em estrela de filme, uma despersonificada espécie chamada por todos apenas de capivara.
Filó é mais que capivara agora, Filó é amiga, Filó é engraçada, Filó é fofinha, Filó é destaque. Entretanto, nenhum de nós conseguiria distinguir Filó em um bando. Filó no bando perde sua importância e sua dignidade de pessoa deixando de ser a Filó do Agenor para ser capivara.
O Ibama no exercício do cumprimento da lei foi tomar de Filó o nome e o endereço e a individualidade, para, segundo denúncia da deputada do Estado do Amazonas Joana Darc, defensora da causa animal, levar Filó a um lugar não fiscalizado, insalubre, com medicação fora do prazo de validade.
As pessoas dos arredores também se mobilizaram para pedir Justiça para Agenor e sua Filó protestando em frente ao Ibama e nas redes sociais. O Brasil olhou para Filó!
Eu poderia concluir esse texto com uma observação jurídica sobre a proteção da fauna brasileira e sobre a necessidade de mais ética na autuação de infrações, mas prefiro deixar a seguinte reflexão:
Por que nos comovemos tanto com a história da Filó? Por que não fizemos uma vaquinha para comprar um pet mais tradicional para Agenor? Por que o destino de Filó importa?
Será que a história da Filó encontra eco em todos nós neste tempo de tantos desmandos, e de tanto poder exibido em detrimento de todo esse bando de capivaras que somos nós o “povo”?
Será que o pranto do Agenor é o anseio de nossas almas clamando por respeito aos nossos afetos, a nossa trajetória de vida, a tudo que nos é caro?
Será que a Filó representa a nossa ojeriza quando as entidades governamentais que deveriam fortalecer nossa cidadania exibem o poder de transformar nossas vidas em sofrimento sem nenhum pudor ou culpa?
Será que Filó representa cada prisioneiro da injustiça, cada descaso das instituições quando somos vistos como nada ou quase nada? Será que a Filó é nossa forma de dizer que somos pequenos mas estamos aqui e vamos lutar?
Não é sobre capivaras sem nome: é sobre JUSTIÇA, DIREITO, PERTENCIMENTO E SOCIEDADE! É sobre o inegociável, sobre que pensávamos ser desimportante mas não é!
O maior roedor da Terra trouxe uma mensagem para o Brasil: Ei, amigo Capivara, me diz qual o teu nome e qual o nome da tua injustiça, juntos somos mais que apenas um bando de “nada ou coisa nenhuma” como eles esperam que sejamos! #somostodosfiló
*Laura Stephanini – Advogada Civilista.