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ESTUPRO DE VULNERÁVEL E O PL 1904/24

Num momento em que estamos vendo aumentar as estatísticas dos abusos e violências contra crianças, senti a necessidade de trazer esse assunto para nossa reflexão semanal após a absurda aprovação de regime urgência para exame o PL1904/24 a “toque de caixa” e que numa rápida análise penaliza o aborto como crime de homicídio  com pena maior do que para o estuprador.

O estupro de vulnerável acontece na maioria dentro das suas próprias casas, por amigos e familiares e esses abusos ainda são subnotificados, justamente por envolver familiares ou pessoas de convivência próxima. 

A vítima por vezes esconde a violência e até seus tutores ou responsáveis evitam divulgar e denunciar, seja por vergonha ou descrédito. 

E não se pode olvidar que essa violência deixa traumas indeléveis na vítima, atinge a saúde mental e o psicológico pelo resto da vida. 

Na parte psicológica, a vítima pode desenvolver transtornos por estresse pós-traumático, transtorno de ansiedade generalizada ou depressão.

E antes da descoberta ou da denúncia é possível que ela se torne mais reclusa ou tenha mudanças no comportamento, demonstrando nervosismo e medo, quando está próxima do agressor.

Entre os sinais físicos, hematomas, arranhões e lesões genitais no corpo da vítima, como inchaço e lacerações.

Também é possível que a vítima seja contaminada por infecções sexualmente transmissíveis, como, sífilis, gonorreia e HIV e por vezes o estupro gera uma gravidez indesejada.

A citada PL pretende estender o prazo de gravidez para 22 semanas de vida para o feto e se abortado após este prazo será então considerado o mencionado crime. Este fato vem causando grande polêmica dividindo as opiniões.

O estupro de vulnerável é um crime previsto no artigo 217-A, do Código Penal, e tipifica qualquer pessoa que mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de quatorze anos.

A conjunção carnal é caracterizada pela penetração completa, enquanto o ato libidinoso pode ser qualquer ato que fira a dignidade sexual da vítima de forma relevante, que não são seja a conjunção carnal, como sexo oral ou coito anal.

É considerado estupro de vulnerável se a vítima for possuidora de algum tipo de enfermidade ou deficiência mental, em qualquer idade, vez que não tem o necessário discernimento para a prática do ato e não pode oferecer resistência ao ato libidinoso ou conjunção carnal. Além, é claro dos casos de menores de quatorze anos.

É considerado como crime quando a vítima não tenha o necessário discernimento para a prática do ato ou que não possa oferecer resistência, pelo uso de substâncias como álcool ou drogas.

A pena prevista para o estupro de vulnerável é de oito a quinze anos conforme as circunstâncias, dos antecedentes e comportamento do réu; se confessou o crime e até se tentou remediar o crime de alguma forma.

Existem ainda as chamadas qualificadoras que aumentam as penas do delito, a primeira prevê que caso o estupro gere lesão corporal na vítima, de natureza grave, a pena passa a ser de dez a vinte anos de reclusão. 

Nesse caso temos a lesão corporal de natureza grave que é aquela que gera incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; ou perigo de vida; ou debilidade permanente de membro, sentido ou função; ou, ainda, aceleração de parto.

E se o estupro causar a morte da vítima, a pena passa a ser de doze a trinta anos de reclusão.

O agressor costuma alegar que ocorreu consentimento da vítima, no entanto, quando alguém mantém relações sexuais com uma menor de 14 anos, ele será considerado estuprador mesmo que a vítima afirme, na delegacia, que agiu por vontade própria, e mesmo que haja consentimento da família ou que moram juntos, pois isso não muda a caracterização do crime e é considerado estupro de vulnerável.

Crianças do sexo masculino, menores de quatorze anos, assim como homens portadores de enfermidade ou deficiência mental ou que por qualquer outra causa não tenham o necessário discernimento para a prática do ato, podem ser vítimas do estupro de vulnerável desde 2009, com a entrada em vigor da Lei Federal n°. 12.015 que legisla sobre abuso sexual e a pedofilia.

As vítimas são respaldadas pela lei 12.845, conhecida como a Lei do Minuto Seguinte, que entrou em vigor em 2013 que obriga os hospitais e toda a rede de amparo sociológico, psicológico e emergencial a dar amparo imediato a qualquer pessoa que se apresente dizendo que foi violentada e que precisa de ajuda.

A lei garante que a vítima tenha um atendimento rápido, mesmo antes de denunciar o crime na polícia e de iniciar qualquer investigação criminal. Ou seja, pela lei, a vítima não precisa ir à delegacia para receber ajuda imediata.

Nós temos legislação sobre o aborto que pode ser autorizado em três situações excepcionais, no caso de gravides decorrente de estupro, se a gestação representar risco de visa à mulher e no caso de anencefalia fetal.

E em todos esses casos a mulher enfrenta dificuldades familiares, da rede de atendimento e do judiciário que na maioria das vezes ultrapassa as 22 semanas que o PL prevê como prazo máximo.

Essa mulher está num momento de extrema fragilidade em qualquer um desses casos previstos na legislação e somente ela tem o direito de decidir o que vai fazer, pois é sua vida que está em jogo e o resto de seus dias para viver um luto ou uma decisão dolorosa e difícil. 

E não podemos esquecer que na maioria dos casos estamos falando de crianças, sem discernimento ou consciência da violência a que foi submetida, e se tem dificuldade em aceitar a violência, quiçá ter consciência ou saber que está grávida. 

A situação só aparece e começa serem tomadas providências quando a sua barriga cresce e algum adulto percebe para tomar alguma atitude.

Não se trata da simples decisão ser contra ou favor do aborto, mas que possamos discutir com calma e discernimento sobre tudo isso, a situação da mulher, da criança, do aborto como problema de saúde pública.

Em face da gravidade e da tristeza com essa violência desumana, não vou terminar hoje com o jargão…sem medo de ser feliz… 

Dra. Iacita Azamor Pionti

Advogada e presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres

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