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Especialistas explicam como age e o que caracteriza um assassino em série

A análise forense confirmou que o sogro de Deise Moura dos Anjos, de 42 anos, foi envenenado em setembro do ano anterior, assim como outras vítimas da família em dezembro.

Isso levou a Polícia Civil a suspeitar que estavam lidando com uma possível assassina em série. Deise foi detida na semana passada, acusada de utilizar arsênico para assassinar membros da família. Seis pessoas adoeceram depois de consumirem um bolo em um evento familiar, resultando na morte de três delas.

Detalhes do crime

O comportamento frio de Deise chamou a atenção dos investigadores. Eles descobriram que ela realizou quatro compras de veneno online dentro de um período de cinco meses.

Uma dessas compras ocorreu antes do falecimento do sogro, Paulo Luiz dos Anjos, cuja morte inicialmente foi atribuída a uma intoxicação alimentar. Contudo, análises feitas após a exumação do corpo revelaram a presença de arsênico.

Ampliação das investigações

Atualmente, a investigação está focada no histórico de Deise para determinar se mais pessoas poderiam ter sido vítimas dela.

Os investigadores consideram solicitar a exumação do corpo do pai de Deise, falecido em 2020 em Canoas, inicialmente diagnosticado com cirrose. A polícia também investiga se outras pessoas podem ter sido envenenadas e sobrevivido, incluindo o marido e o filho da suspeita.

O jornal Zero Hora consultou especialistas para entender o que define um assassino em série, conhecidos como serial killers. Essa denominação surgiu nos Estados Unidos na década de 1970, cunhada por Robert Ressler, um ex-agente do FBI que se aprofundou no estudo do tema.

Uma vez que o caso de Torres ainda está sendo investigado pela polícia, as avaliações sobre o perfil da suspeita estão sujeitas a mudanças

O que define um serial killer?

Alceu Gomes, psiquiatra da infância e adolescência e diretor do Hospital Psiquiátrico São Pedro, destaca três características fundamentais de um serial killer.

A primeira diz respeito ao perfil das vítimas, que frequentemente compartilham traços semelhantes, embora isso possa variar. No caso de Torres, chama a atenção o fato de as vítimas serem membros da família de Deise.

Nesse caso a questão intrafamiliar foge um pouco dessa regra. Não é tão usual assim. Mas tem que ver se realmente só foram esses. A investigação ainda está se ampliando. Não é o mais usual ser dentro da família. É preciso entender se houve outras motivações, como meramente financeiras, ou de poder ou de vingança“, afirma.

Outra característica importante é o modus operandi, isto é, a maneira consistente como o assassino opera. No caso de Deise, a polícia identificou que todas as vítimas conhecidas até agora foram mortas por envenenamento com arsênico.

Tem vários relatos de envenenadores sociais. Essa questão de envenenamento é amplamente colocada na literatura. Alguns usam o envenenamento, outros usam outras formas de matar, seduzem as vítimas e matam. Como tinha o caso do crime da Rua do Arvoredo, aqui em Porto Alegre. O modus operandi costuma ser o mesmo Alceu Gomes Diretor do Hospital Psiquiátrico São Pedro.

O terceiro aspecto essencial é a área de atuação, uma vez que esses assassinos tendem a operar em ambientes onde se sentem confortáveis.

Parece que há indícios, se os fatos se comprovarem, de que possa se enquadrar dentro dessa concepção. Duas características são muito evidentes, uma é a questão do modus operandi e a outra do espaço, dentro daquele perfil onde se sente mais seguro“, esclarece o psiquiatra.

Frieza e premeditação

O psiquiatra Andrei Valerio, do departamento de psiquiatria forense da Associação de Psiquiatria do RS, destaca que assassinos em série diferem de outros criminosos principalmente pelo método consistente de atuação, o número de vítimas (duas ou mais) e suas motivações.

Ele acrescenta que outras características complicam a identificação desses criminosos.

O serial killer é uma pessoa, via de regra, inteligente. Para se aproximar da vítima, o que alguns teóricos chamam de “captura da presa”, o serial killer pode ser agradável, sedutor, para conquistar confiança e credibilidade, e poder avançar. Conquista essa proximidade, e depois planeja o assassinato“, explica.

No caso de Torres, conforme relatado pela polícia, a suspeita, apesar de não ter uma boa relação com os sogros, começou a se aproximar mais deles no último ano. A polícia descobriu mensagens trocadas com sua sogra, Zeli, onde Deise afirmava que ela, seu marido e filho constituíam sua única família.

Num primeiro momento, depois da morte do sogro, ela tenta a cremação do corpo. Depois, ela tenta outra narrativa: de que seria por causa das bananas (que estariam infectadas em razão da enchente, em Canoas)“, diz a delegada Sabrina Deffente, sobre o caso.

Existe toda a uma premeditação. Além de usar o mesmo método, o serial killer planeja o crime. Muitas pessoas acreditam que serial killer é só homem. Mas a realidade é bem diferente. A gente tem serial killer de todos os gêneros, sexos e classes sociais“, destaca Valerio.

Adicionalmente, o caso revela traços de dissimulação. No episódio de Torres, a suspeita prestou homenagens às vítimas em redes sociais, compareceu ao funeral, colocou flores no caixão e tentou persuadir a sogra a não investigar as causas da morte do marido, alegando que o filho estava deprimido por ter levado os alimentos para o pai.

Todo serial killer tem um componente importante que é a frieza e a falta de empatia com o outro. Ele se usa da encenação e da dissimulação. Busca amenizar os fatos, manipular. Usa de muitos elementos. Se ela foi mesmo a autora de todos os assassinatos, e matou usando o mesmo método, que é o envenenamento, podemos entender que se trata de uma serial killer Andrei Valerio Membro do departamento de psiquiatria forense da Associação de Psiquiatria do RS.

Número de assassinatos

Ruben de Souza Menezes, psiquiatra no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) há trinta anos, realizou numerosas perícias em casos de serial killers no estado.

Apesar da noção comum de que serial killers são aqueles que cometem múltiplos assassinatos em sequência, o especialista aponta uma ressalva: nem todos que matam várias pessoas se encaixam nessa definição. Por exemplo, atiradores que atacam grandes grupos de pessoas não se ajustam ao perfil típico de serial killer. Por outro lado, um serial killer pode ser detido mesmo sem ter uma longa lista de crimes.

Também pode ocorrer de mesmo com um ou dois crimes descobertos, ele esconder os outros cinco, 10 ou 50 homicídios. Então não é costume utilizar a quantidade de mortes como critério diagnóstico principal“, diz.

Quanto à presença de familiares ou pessoas próximas entre as vítimas, o especialista observa que isso pode acontecer, mas não é tão usual.

Os serial killers mais letais tendem a ser um pouco mais inteligentes do que a média e planejam, mais do que seus crimes, meios de ocultar a autoria. Então, a escolha das vítimas tende a ter algum padrão, geralmente envolvendo alguma vulnerabilidade“, detalha o psiquiatra.

O médico relembra o caso de Adriano da Silva, conhecido como o serial killer de Passo Fundo, condenado pela morte de nove meninos na parte norte do estado, entre agosto de 2002 e janeiro de 2004.

As vítimas eram meninos de oito a 14 anos. Silva utilizava técnicas de artes marciais e asfixia para matar, ocultando os corpos em seguida. Ele atraía as crianças oferecendo dinheiro ou trabalho em locais isolados, como um moinho desativado ou uma fazenda, e geralmente escolhia meninos de famílias humildes.

Sem sentimento de culpa

Vivian Peres Day, psiquiatra forense e coordenadora do curso de formação em psicoterapia no Centro de Estudos Luis Guedes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, esclarece que a quantidade de vítimas não é determinante para definir um serial killer. São mais relevantes a repetição e o padrão no comportamento.

Isso forma o contexto do serial killer, aquela repetição desse mesmo tipo de ato, e geralmente é uma maneira estratégica. O perfil das vítimas muitas vezes se assemelha. Tem vários estudos de tipos de serial killers que têm um tipo de vítima especial, que fecha com necessidades internas dele de reparar algum trauma, alguma vingança interna“, afirma.

Ela também menciona outras características típicas desses criminosos, como a ausência de remorso ou autocrítica, e a manutenção de suas justificativas, mesmo após serem desmascarados.

São pessoas que não têm empatia, não se identificam com o sofrimento dos outros, não se comovem, não se arrependem, não têm crítica adequada sobre isso, e, por isso, tendem a repetir. É diferente de outros tipos de assassinos que se culpam, que aprendem com a experiência. Esse tipo geralmente não. Por isso, seguem muito perigosos a vida inteira. Dificilmente essas pessoas aprendem com essa experiência e têm uma crítica adequada dos seus atos Vivian Peres Day Psiquiatra forense, professora e coordenadora do curso de formação em psicoterapia do Centro de Estudos Luis Guedes no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Histórico desde a infância

Os especialistas concordam que esses comportamentos, quando emergem na vida adulta, geralmente têm raízes na infância.

Ele dá sinais desde pequeno, com tortura com animais, com outras crianças, mentiras, evasão escolar, crianças que colocam fogo no colégio, em lixos, riscam carros na vizinhança, furtam pequenas coisas“, descreve Valerio, apontando para os indícios que requerem vigilância.

Esses indivíduos não começam já serial killers. Têm relatos lá na infância de crueldade com animais, fugas de casa, enfrentamento de autoridades, mentiras patológicas, certa agressividade, intrigas. Isso começa dando sinais, quer seja por uma situação de maus-tratos dentro da família, bullying. Eles não começam de uma hora para a outra. Há uma linha do tempo muito importante de ser avaliada para que se possa configurar o transtorno de personalidade antissocial“, acrescenta Gomes.

O Segredo

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