Apesar de ser direcionado para a advocacia vejo nesse projeto um avanço nas discussões no Congresso Nacional sobre descriminação, abusos morais e sexuais na esfera profissional. Esse projeto foi apresentado pela Deputada Federal Laura Carneiro do Rio de Janeiro em 13 de abril de 2023 com proposta de alteração da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para incluir como infração ético-disciplinar o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação, no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em resumo, a proposta apresentada considera:
“I – assédio moral a conduta praticada, no exercício profissional ou em razão dele, por meio da repetição deliberada de gestos, palavras (orais ou escritas) e/ou comportamentos que exponham o estagiário, o advogado, ou qualquer outro profissional que esteja prestando seus serviços, a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade, à integridade psíquica ou física, com o objetivo de excluí-lo das suas funções ou desestabilizando emocionalmente, deteriorando o ambiente profissional; II – assédio sexual a conduta de conotação sexual praticada no exercício profissional ou em razão dele, manifestada fisicamente, ou por palavras, gestos ou outros meios, proposta ou imposta à pessoa contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual; III – discriminação a conduta comissiva ou omissiva que dispense tratamento constrangedor ou humilhante a pessoa ou grupo de pessoas, em razão da sua pertença a determinada raça, cor, sexo, procedência nacional, procedência regional, origem étnica, etária, religião, gestante, lactante, nutrizes pessoa com deficiência ou outro fator. ”
Da justificação do Projeto, a deputada Laura Carneiro, advogada no Rio de Janeiro e filha do advogado e Senador Nelson Carneiro, que tem um passado de defesa dos direitos das mulheres, afirma que a proposta foi embasada nas proposições da Convenção 1901 e a Recomendação 206, ambas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde violência e assédio são definidos como ameaças, comportamentos e/ou práticas inaceitáveis, manifestados uma única vez ou repetidamente, que pretendam ou possam causar danos físicos, psicológicos, econômicos ou sexuais.
A referida proposta foi apreciada pelo Conselho Pleno da OAB, que acolheu, com louvor, a proposição, determinando sua remessa à Câmara dos Deputados, para análise e deliberação quanto à importante alteração legislativa.
Ainda da justificativa, temos que discriminação é fundada em ideias preconcebidas, que resultam na inferiorização das pessoas ou de grupos vulneráveis, sexo, raça, origem, idade, deficiência, saúde do(a) trabalhador(a) ou por ter sofrido algum acidente de trabalho, entre outros, trazendo dados estatísticos importantes, apesar de não serem específicos para a classe dos advogados traz uma amostragem importante dos dados relacionados a esse tipo de violência, como se transcreve trecho abaixo:
”Recentemente, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou que, em 2022, cerca de 30 milhões de mulheres sofreram algum tipo de assédio. Isso significa que, a cada um segundo, uma mulher é assediada no Brasil. No ambiente de trabalho, o assédio atinge uma mulher brasileira a cada 1 hora, totalizando 11,9 milhões de vítimas assediadas em 20223.
Em 2020, o Instituto Patrícia Galvão, em parceria com o Instituto Locomotiva e a Laudes Foundation, realizou a pesquisa intitulada “Percepções sobre violência e o assédio contra mulheres no trabalho” (2020), em que reuniu 1.500 pessoas (1.000 mulheres e 500 homens), com 18 anos de idade ou mais. O estudo revelou que 76% das trabalhadoras entrevistadas relataram ter sofrido violência.
As condutas abusivas mais recorrentes são: supervisão excessiva; xingamentos e gritos; convites de pessoas do sexo oposto para sair ou insinuações constrangedoras; entre outros.
Anualmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) disponibiliza dados com os assuntos mais recorrentes em trâmite na Justiça do Trabalho.
Em 2020, foram identificados 87.241 casos de assédio moral e 4.262 de assédio sexual. Em 2021, houve o registro de 83.402 casos de assédio moral e 4.690 de assédio sexual.
Em 2022 (até o mês de abril), foram registrados 23.409 casos de assédio moral e 1.358 de assédio sexual. É necessário considerar que esses dados podem ser ainda mais graves, em virtude da subnotificação dos casos. Em 2011, o estudo “Assédio Moral: Uma análise dos acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo” analisou o conteúdo de 51 acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo.
A pesquisa identificou que: Em apenas 39,2%, ou seja, em 20 casos, conseguiram provar o assédio na Vara de origem; O resultado geral mostra que apenas 49,0% dos trabalhadores que abriram processo por assédio obtiveram sucesso; Em contrapartida, 51,0% perderam na 1ª e 2ª instâncias; Os advogados e as advogadas entrevistadas relatam a dificuldade de provar o assédio, ante o seu aspecto dissimulado, e denunciam a percepção dos magistrados sobre ocorrências isoladas; Participaram do estudo online 1.500 pessoas (1.000 mulheres e 500 homens), com 18 anos de idade ou mais, entre 7 a 20 de outubro de 2020. A margem de erro é de 2,9 percentuais.
Outros dados importantes são de que o gênero de quem assedia foi revelado: 84,3% dos assediadores são homens. Em apenas oito casos (15,7%), as mulheres assumiram o papel de assediadoras. Com o aumento quantitativo de mulheres nos cargos de direção, que coincide com a feminização do perfil da advocacia, em que as advogadas são maioria nos quadros de profissionais inscritos na Ordem, a perspectiva antidiscriminatória necessita ser ampliada diante das múltiplas experiências de violações identificadas na carreira dessas profissionais.
Em pesquisa realizada pela Internacional Bar Association (IBA) sobre assédio sexual e moral nas profissões jurídicas, revelou-se que, a cada três advogadas, uma já foi assediada sexualmente; e, a cada duas mulheres, uma já sofreu assédio moral.
O crescimento quantitativo de perfis cada vez mais plurais nos espaços decisórios da OAB e da advocacia deve ser acompanhado de políticas de prevenção e de reparação para promover a inclusão qualitativa desses grupos sociais historicamente oprimidos…. a fim de instituir a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação no âmbito da OAB, por meio do enquadramento da prática de assédio moral e/ou sexual no ambiente de trabalho como infração disciplinar no EAOAB (Lei nº. 8.906, de 4 de julho de 1994).”
Desta forma, temos que essa mudança na legislação é uma evidente proteção e combate aos abusos, cabendo enaltecer a posição da Ordem dos Advogados do Brasil e seu pioneirismo na defesa do direito constitucional da igualdade entre homens e mulheres, a equidade nas oportunidades, nos cargos dentro da entidade e nas disputas para preenchimento das vagas nos diversos Tribunais e agora com essa inserção em seu Estatuto como infração disciplinar, por certo atingirá a proteção dentro dos escritórios de advocacia e nas prerrogativas da atuação profissional com dignidade e segurança.
E assim avançamos no combate às violências nas relações de trabalho, sem medo de ser feliz!!!
Dra. Iacita Azamor Pionti
Advogada e Conselheira em Defesa dos Direitos da Mulher